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quinta-feira, 31 de março de 2011

Dom Hélder: o anjo rebelde.

“Eu tenho fome e sede de paz. Dessa paz do Cristo que se apóia na justiça. Eu tenho fome e sede de diálogo, e é por isso que eu corro por todos os lados de onde me acenam, à procura do que pode aproximar os homens em nome do essencial… E falar em nome daqueles que são impedidos de fazê-lo”.

“Quando eu dou de comer aos pobres, me chamam de santo. Quando eu pergunto por que eles são pobres, me chamam de comunista!” (...) “Se a política é fazer que os direitos humanos fundamentais sejam reconhecidos por todos, esta política não é somente um direito, mas um dever para a Igreja”.

“A violência número 1 é a injustiça. Depois vem a revolta contra a injustiça, e esta é a violência número 2. E, então, a repressão da revolta: esta é a violência número 3. Mas a violência número 1 é a injustiça”.

“As massas deste continente abrirão um dia os olhos, conosco, sem nós ou contra nós… Ai do cristianismo no dia em que as massas tiverem a impressão de terem sido abandonadas pela Igreja, tornada cúmplice dos ricos e dos poderosos”.

“É graça começar bem. Graça maior é persistir na caminhada. Mas graça das graças é nunca desistir. (…) A fome dos outros condena a civilização dos que não têm fome”.

“Chega de uma igreja que quer ser servida; que exige ser sempre a primeira; que não tem o realismo e a humildade de aceitar a condição do pluralismo religioso”!

 “A não-violência não é de forma alguma uma escolha da fraqueza e da passividade. É crer mais na força da verdade, da justiça e do amor do que nas forças das guerras, das armas e do ódio.” (...) “A única guerra legítima é aquela que se faz contra o subdesenvolvimento e a miséria”.

“Viva a utopia!  Não é preciso nunca ter medo da utopia. Gosto muito de repetir: Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia
partilhada é a mola da história”.

        “Ser irmãos no Senhor e na Igreja, não é ser exatamente semelhante, como gêmeos perfeitos. È se ajudar mutuamente, com total confiança, para preencher as tarefas diferentes que o Senhor nos confiou”.
 
        “Se bem que para akguns, isso possa parecer estranho, eu afirmo que, no Nordeste, o cristo se chama José, Antônio, ou Severino... Ecce Homo! Eis o Cristo, eis o homem! O homem que precisa de justiça, que merece justiça”.

 Dom Hélder percorreu o mundo para pregar o fim da violência e do racismo, o fim das guerras e das desigualdades sociais. Ele mostrou o absurdo de se gastar com as armas dinheiro que seria suficiente para alimentar as multidões do terceiro mundo. Ele chamou ao respeito devido à natureza, aos direitos à vida e às exigências da justiça. Soube despertar nos jovens a vontade de viver e de fazer o bem. Comunicou a muitos corações a fome e a sede de Deus. Sabia unir na mesma amizade pobres e ricos. Ele não criticava ninguém.
Dom Hélder, mais que pastor e profeta, foi um homem inteiro. Nele a humanidade reluzia na sua forma mais eminente. A inteireza humana se revela pelo coração. Seu coração tinha as dimensões do mundo. Foi o coração que o levou a amar incondicionalmente as pessoas, a natureza, o mundo e Deus. Demonstrava enternecimento para com cada pessoa que encontrava. Mas especialmente demonstrava ternura pelos pobres que abraçara como irmãos e irmãs.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Morre mais um profeta



Faleceu ontem, domingo, 27 de março, Padre José Comblin. O CEBI expressa sua gratidão pela trajetória deste profeta, cuja vida foi dedicada à causa dos empobrecidos e da Igreja Popular.
Transcrevemos abaixo a notícia postada no site do IHU.
José Comblin morreu nesta madrugada, em Salvador, na Bahia, aos 88 anos.
Ele nasceu no dia 22 de março de 1923, na Bélgica. Desde 1958 trabalhava no Brasil, especialmente em Pernambuco, na Paraíba e na Bahia.
Padre Comblin estava em tratamento médico na capital baiana. Foi encontrado morto, sentado, em seu quarto, quando era esperado para a oração da manhã e não apareceu na capela. Ele tinha problemas cardíacos e usava marcapasso. Apesar da doença, parecia bem disposto e estava trabalhando.
Ele veio para o Brasil em 1958, atendendo a apelo do papa Pio XII, que no documento Fidei domum (O Dom da Fé) pedia missionários voluntários para regiões com falta de sacerdotes.
Depois de trabalhar em Campinas e, em seguida, passar uma temporada no Chile, foi para Pernambuco, em 1964, quando d. Helder Câmara foi nomeado arcebispo de Olinda e Recife. Perseguido pelo regime militar, foi detido e deportado, em 1972, ao desembarcar no aeroporto de volta de uma viagem à Europa.
José Comblin participou do primeiro grupo da Teologia da Libertação. Esteve na raiz das equipes de formação de seminaristas no campo em Pernambuco e na Paraíba (1969), do seminário rural de Talca, no Chile (1978) e, depois, na Paraíba, em Serra Redonda (1981). Estas iniciativas deram origem à chamada Teologia da enxada.
Além disso, esteve na origem da criação dos Missionários do Campo (1981), das Missionárias do Meio Popular (1986), dos Missionários formados em Juazeiro da Bahia (1989), na Paraíba (1994) e em Tocantins (1997).
É autor de inúmeros livros, dentre eles A ideologia da segurança nacional: o poder militar na América Latina (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978)

Pelo CEBI, José  Comblin escreveu:

Paulo: trabalhador e apóstolo
As cartas de Paulo
Ser é poder

Veja alguns artigos de Comblin publicado no site do CEBI:

É preciso sonhar
A não violência e o amor aos inimigos
Descriminalizar o aborto para salvar mães e crianças

Fonte: www.cebi.org.br

quinta-feira, 17 de março de 2011

III Aniversário da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa

São muitos feitos desde que a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) surgiu. Além das caminhadas em Defesa da Liberdade Religiosa - sempre realizadas no terceiro domingo de setembro -, o grupo já distribuiu cartilhas pela orientação de pessoas em caso de discriminação, elaborou diretrizes para o Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa e atendeu gratuitamente centenas de pessoas. Hoje, 17 de março, é dia de alegria para os milhares de fiéis que compõem o grupo. Chegou o terceiro aniversário da CCIR, e, para comemorar, umbandistas, candomblecistas, judeus, católicos, evangélicos, wiccanos, hare Krishnas, kardecistas, maçons, entre outros estarão, no próximo dia 30, às 16h, no Conselho Espírita do Estado do Rio de Janeiro (CEERJ) para marcar mais um ano de grandes vitórias. O filme “Caminhando a gente se entende” será exibido na festividade.
            Para o interlocutor da CCIR, babalawo Ivanir dos Santos, a data representa mais uma vitória para o País. “Ter a honra de comemorar três anos de atividades da Comissão é algo inenarrável. Todo este trabalho de atendimento a vítimas, de mobilização e de construção não seria possível se não houvesse a união de todos os segmentos. Parabenizo a todos por este dia tão especial”, declarou o sacerdote do Candomblé, que já faz planos para a Quarta Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa. “A cada ano, o número de pessoas aumenta na marcha pela liberdade. Estamos trabalhando para que a caminhada de 2011 seja mais representativa do que todas. A sociedade se surpreenderá com nossa integração”.
            Na última reunião, realizada na tarde de ontem, os membros da CCIR resolveram que cada segmento levará um prato típico de sua religião para a comemoração no Conselho Espírita. Além disso, participarão de aprendizados da religião kardecista e darão início aos preparativos para o acontecimento de setembro.
             Fátima Damas, fundadora da Comissão e uma das representantes da Umbanda, conta que se sente felicíssima por mais um aniversário da entidade e pelo local da comemoração. “No ano passado, comemoramos na Paróquia Santa Bernadete, em Higienópolis. Foi emocionante demais ver vários líderes religiosos num altar de uma igreja católica. Agora, todos nos confraternizaremos com religiosos que vêm aderindo a esta causa tão nobre cada vez mais”, disse.

                       Orações pelo Japão

            Diante do massacre que o país oriental passa, a comemoração terá uma oração feita por líderes de várias religiões. À sua forma, cada sacerdote pedirá pelas vítimas daquele lugar e elevará pedidos de misericórdia ao Criador. Desde a ocorrência, a CCIR tem debatido o assunto e, mesmo de tão longe, pretende mostrar solidariedade com os que sofrem por conta de um acidente da natureza.

Artigo sobre Cristianismo Antigo e Diálogo Inter-religioso

http://revistaale.dominiotemporario.com/doc/BARROSO_ANDRE_L.pdf

http://www.revistaaletheia.com/page_9.html

domingo, 13 de março de 2011

Teólogo: um ser quase impossível

Leonardo Boff

Muitos estranham o fato de que, sendo teólogo e filósofo de formação, me meta em assuntos, alheios a estas disciplinas como a ecologia, a política, o aquecimento global e  outros.
Eu sempre  respondo: faço, sim, teologia pura, mas me ocupo também de outros temas exatamente porque sou teólogo. A tarefa do teólogo, já ensinava o maior deles, Tomás de Aquino, na primeira questão da Suma Teológica é: estudar Deus e sua revelação e, em seguida, todas as demais coisas “à luz de Deus” (sub ratione Dei), pois Ele é o princípio e o fim de tudo.
Portanto, cabe à teologia ocupar-se também de outras coisas que não Deus, desde que se faça “à luz de Deus”. Falar de Deus e ainda das coisas é uma tarefa quase irrealizável. A primeira: como falar de Deus se Ele não cabe em nenhum dicionário? A segunda, como refletir sobre todas as demais coisas, se os saberes sobre elas são tantos que ninguém individualmente pode dominá-los? Logicamente, não se trata de falar de economia com um economista ou de política como um político. Mas falar de tais matérias na perspectiva de Deus, o que pressupõe conhecer previamente estas realidades de forma critica e não ingênua, respeitando sua autonomia e acolhendo seus resultados mais seguros. Somente depois deste árduo labor, pode o teólogo se perguntar como elas ficam quando confrontadas com Deus? Como se encaixam numa visão mais transcendente da vida  e da história?
Fazer teologia não é uma tarefa como qualquer outra como ver um filme ou ir ao teatro. É coisa seríssima, pois se trabalha com a categoria ”Deus” que não é um objeto tangível como todos os demais. Por isso, é destituída de qualquer sentido, a busca da partícula “Deus” nos confins da matéria e no interior do “Campo Higgs”. Isso suporia que Deus seria parte do mundo. Desse Deus eu sou ateu. Ele seria um pedaço do mundo e não Deus. Faço minhas as palavras de um sutil teólogo franciscano,  Duns Scotus (+1308) que escreveu: ”Se Deus existe como as coisas existem, então Deus não existe”. Quer dizer, Deus não é da ordem das coisas  que podem ser encontradas e descritas. É a Precondição e o Suporte para que estas coisas existam. Sem Ele as coisas teriam ficado no nada ou voltariam ao nada. Esta é  a natureza de Deus: não ser coisa, mas a Origem das coisas.
Aplico a Deus como Origem aquilo que os orientais aplicam à força que permite pensar: ”a força pela qual o pensamento pensa, não pode ser pensada”. A Origem das coisas não pode ser coisa.
Como se depreende, é muito complicado fazer teologia. Henri Lacordaire (+1861), o grande orador francês, disse com razão: ”O doutor católico é um homem quase impossível: pois  tem de conhecer  todo o depósito da fé e os atos do Papado e ainda o que São Paulo chama de os ‘elementos do mundo’, isto é tudo e tudo”. Lembremos o que asseverou René Descartes (+1650) no Discurso do Método, base do saber moderno: ”se eu quisesse fazer teologia, era preciso ser mais que um homem”. E Erasmo de Roterdam (+1536), o grande sábio dos tempos da Reforma, observava: ”existe algo de sobre humano na profissão do teólogo”. Não nos admira que Martin Heidegger tenha dito que uma filosofia que não se confrontou com as questões da teologia, não chegou plenamente ainda  a si mesma. Refiro isso não como automagnificacão da teologia, mas como confissão de que sua tarefa é quase impraticável, coisa que sinto dia a dia.
Logicamente, há uma teologia que não merece este nome porque é preguiçosa e renuncia a pensar Deus. Apenas pensa o que os outros pensaram ou o que o que disseram os Papas.
Meu sentimento do mundo me diz que  hoje a teologia enquanto teologia tem que proclamar aos gritos: temos que preservar a natureza e harmonizarmo-nos com o universo, porque eles são o grande livro que Deus nos entregou. Lá se encontra o que Ele nos quer dizer. Porque desaprendemos a ler este livro, nos deu outro, as Escrituras, cristãs e de outros povos, para que reaprendêssemos a ler  o livro da natureza. Hoje ela está sendo devastada. E com isso destruímos nosso acesso à revelação de Deus. Temos, pois que falar da natureza e do mundo à luz de Deus e da razão. Sem a natureza e o  mundo preservados, os livros sagrados perderiam seu significado que é reensinarmos a ler a natureza e o mundo. O discurso teológico tem, pois,  o seu lugar junto com os demais

sexta-feira, 11 de março de 2011

O saldo do Carnaval e outras considerações

Caros

O carnaval chegou ao fim. Ainda estamos no período da ressaca, embora ontem tenha começado oficialmente a Quaresma. O Brasil só voltará ao normal na segunda-feira.
Recebi os e-mails referentes ao Carnaval do eixo Via Dutra e comentarei.
Em relação ao e-mail de nosso caro Bruno, dando conta de que mais uma torcida organizada paulista formará sua escola de samba, esse é um fenômeno de reação à Gaviões da Fiel, que é uma agremiação antiga. Essa história de Mancha Verde, Dragões da Real, Império da Baleia Santista, Unidos do Bugre Verde, Acadêmicos da Ponte Preta, etc. (uns fictícios, outros parecem fictícios...) é tudo de uma imbecilidade sem tamanho. A rivalidade do futebol está entrando na avenida, nada mais que isso. Porém, como em São Paulo, tudo é muito excêntrico, talvez isso soe normal.
O que sei, no entanto, sobre o carnaval paulistano é que ele nunca me agradou completamente. Aquela marcação na base da correria é uma das coisas mais sem sentido que já vi. Porém, nada mais incompreensível que verificar que o Rio de Janeiro está copiando essa forma de se destruir a cadência bonita do samba.
Assisti uns anos atrás uma apresentação da Acadêmicos do Tucuruvi. Nessa época, o idiota do Cléber Machado era o narrador (um cara que não sabe narrar partida de futebol daria conta de narrar desfile de escola de samba?) e Leci Brandão era a comentarista. Especulei com amigos o porquê de terem mandado a dama do nosso pagode para lá (ela comentava por aqui com Jorge Aragão) e pelo que entendi seria por causa de seus comentários nada parciais, já que a Vênus adora pelegar seus parceiros e deixar até mesmo de transmitir para rasgar seda com suas crias. Afinal, ela é uma mulher que entende de samba e carnaval, não é uma Maria Augusta, criatura que a globo inventou para falar o que uma pessoa na arquibancada falaria com muito mais propriedade.
O fato é que Leci não comentou esse ano, puseram o inacreditável Leandro Art Popular Lehart para falar sobre isso! Ele mesmo, o sujeito que mais ganhou dinheiro com pagodes nos anos 90 é o mais novo entendido do samba paulistano! Fico imaginando como ele avalia os desfiles: "Esse samba da Nenê tem um trecho que lembra uma música do Art Popular, um trecho ritmado e contextualizado: 'Agamamou (uh!), love, love, love, djow, djow...'"
As grandes escolas de samba paulistanas, se desfilassem aqui, não venceriam das nossas grandes, isso é certo. No entanto, a globo, como boa vendedora de produtos, expõe esses desfiles como espetáculos impressionantes... Fazer o quê?...
Agora, vamos falar de Rio de Janeiro.
Além de ter herdado essa mania paulistana de correr com o samba (observem que nem todo mundo consegue manter o ritmo acelerado, os mais tarimbados ficam na pista visivelmente), os sambas-enredo em si estão cada vez piores. Ano passado, houve uma tentativa de se fazer samba à moda antiga: quando a Vila homenageou Noel, Martinho preparou um samba que pode ser batucado com um pagodinho e que deveria ter ido à Avenida com muito mais cadência, como era nos anos 70 e 80. Faria muito mais sentido. No entanto, me parece que as regras que a globo impõem por causa da transmissão impedem algo do tipo, então o samba perdeu muito da sua proposta. Depois de anos de estupidez, tivemos a chance de ver um grande samba-enredo ser executado ser posta de lado.
Aliás, hoje em dia é impossível cantar um samba-enredo de 5 anos atrás, ao contrário de sambas de duas, três décadas atrás, alguns inclusive que viraram clássicos da música brasileira. Pudera: quem hoje em dia compõe? Uma COMISSÃO de compositores! Têm sambas que foram compostos por 7 pessoas e não passam da primeira frase, quando passam! Nenhum conteúdo, só correria (exatamente como os sambas-enredo paulistanos). Antigamente, bastava um sujeito chegar batucando e cantando que seu samba poderia ser a tradução do enredo que a escola defenderia na Avenida. Sim, meus caros, era assim que funiconava: a competição nas quadras era de enredo e não de samba-enredo. E para um enredo ir à Avenida, bastava que o samba fosse convincente. Imagino que deveria ser uma briga de foice a escolha de enredo, ao contrário de hoje me dia que a briga é para saber quem vai dar mais dinheiro para que seu lobby seja vendido na Sapucaí, através de pseudosambas, nada mais que umas frases jogadas com aquela batucada que mais parece uma radiola com um disco de 33 RPM rodando a 78. Terrível. E ainda falam de Sampa... Poderíamos atualizar as palavras de Vinícius de Moraes: "São Paulo fez escola, pois a cova do carnaval carioca está cada vez mais profunda..."
E pensar que Paulinho da Viola compôs seu único samba-enredo sozinho e esse samba ("Memórias de um Sargento de Milícias") foi escolhido para brilhar na Presidente Vargas. Martinho da Vila só precisou de Rodolfo para compor "Iáiá do Cais Dourado" em 1967 e em 1984 chegou sozinho ao tutano com o samba mais bonito que já ouvi até hoje "Pra tudo se acabar na Quarta-Feira". Quando Neguinho da Beija-Flor cismou de escrever sambas, a escola de Nilópolis venceu em 1978 e 1983. E do lado da União da Ilha, que nunca venceu um carnaval mas deixou sambas históricos para a posteridade? J. Brito e Bujão fizeram a "Festa Profana" em 1989 e o samba-enredo virou grito de guerra de torcida organizada (além de ter revelado Quinho). Em 1991, Franco eternizou "De bar em bar – Didi, um poeta" ("Hoje vou tomar um porre, não me socorre, eu tô feliz...") E o próprio e saudoso Didi dispensa maiores comentários, pois os nomes de suas obras insulanas falam por si ("Domingo", "O amanhã", "É hoje", etc.). E por aí vai.

As transmissões perderam espaço para o destaque de midiáticos de camarote, entre eles, candidatas à capa da Playboy ou Sexy ou filmes do Buttman, abestalhados globais que em nada acrescentam à coisa alguma e outros. Cada ano era um comentarista idiota que põem. Teve um ano que o Leandro Lehart da vez foi Pedro Luís, com suas frases e atitudes de quem se embriaga de Itaipágua. Puseram uma coreógrafa que não sabe a diferença entre harmonia e enredo. Teve a tal de Maria Augusta, que é tão relevante para o samba quanto Reinaldo Azevedo para o jornalismo. E o ex-Haroldo Costa, um patético formulador de frases clichezadas que ainda vive do Orfeu da Conceição (esqueceram de dizer a ele que Tony Caído já o suplantou...). E pensar que esse infeliz foi gente um dia, chegou a resenhar a versão portuguesa de "Negras Raízes", de Alex Haley...
E pra fechar: como hoje em dia todos os desfiles são da globo (especial e acesso), os desfiles começam quando ela quer, ela transmite se quiser e que se dane os telespectadores e quem sai de casa para assistir ao vivo e a cores.
Que saudade da rede Manchete e da narração de Fernando Vannucci...
Aquele abraço galera!

Beto-Sem-Braço escreveu para o Império Serrano em 1982 o samba que ganhou o carnaval e parecia prever o que hoje acontece: "Super Escolas de Samba S/A / Super-alegorias / Escondendo gente bamba / Que covardia!"
E poderíamos atualizar as palavras de Vinícius de Moraes: "São Paulo fez escola, pois a cova do carnaval carioca está cada vez mais profunda..."


valeu!
Jeferson Santos
(globo,) você foi a culpada do meu samba(-enredo) entristecer...

sexta-feira, 4 de março de 2011

A Taça do Mundo é deles.

Vitória da barbárie na Vila Harmonia é a vitória da barbárie na Cidade
Jorge Borges

Nesta sexta-feira, 25/02/2011, finalmente os lacaios da Prefeitura do Eduardo Paes conseguiram chegar ao último foco de resistência dentro da Vila Harmonia. Entraram no terreno da Dona Sueli, onde moram cerca de 10 famílias – todas descendentes diretas de sua avó, que já reside na região há muitas e muitas décadas. Trata-se de uma grande vitória da barbárie sobre a resistência popular, dado o caráter simbólico da conquista e o significado que isso terá para as próximas campanhas de remoção em massa dos nazi-fascistas municipais. Mas por que esse fato é tão simbólico e significativo?
Todas as comunidades do Recreio dos Bandeirantes que estão sendo atacadas nos últimos meses, são vitimadas sob o argumento da necessidade da obra do corredor Transoeste, que nada mais é do que a duplicação da Avenida das Américas com a instalação de uma via segregada para ônibus expressos. Entretanto, a área da Vila Harmonia, além de não ser necessária para a referida obra, era a que melhores condições reunia para um processo definitivo de regularização fundiária e urbanística, que poderia se tornar exemplo e contribuir fundamentalmente para desconstruir o discurso imperioso de que "não há lugar para pobres no Recreio dos Bandeirantes".
Não bastassem esses dados, vale ressaltar que a obra da Transoeste é uma das que mais possui indícios de irregularidades, desde o seu processo licitatório até o início da instalação dos canteiros de obras, passando pelo processo de licenciamento ambiental, junto ao INEA. Suas vergonhosas liberalidades já estão suficientemente documentadas e prontas para se transformar em peça judicial, matéria jornalística ou qualquer outra forma de denúncia.
Na Vila Harmonia, ainda residem famílias descendentes diretas dos primeiros moradores fixos do bairro que, como nos ensina a própria toponímia, foi, durante séculos, passagem para as caravanas que subiriam as serras gerais em busca das riquezas da eterna colônia brasiliana. Desde o início do Século XX, essas famílias vivem e sobrevivem por ali e esse fato é amplamente conhecido dos administradores públicos. Eles sabem que todas essas informações, reunidas e apuradas, podem levar a embaraços e atrasos em seus planos perante os compromissos internacionais assumidos pela municipalidade em relação aos preparativos para a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas 2016, além dos interesses de seus mecenas da incorporação imobiliária. O ataque covarde aos dois terreiros de Candomblé e as constantes ofensas e ameaças à família da Dona Sueli configuram o tamanho do racismo e da covardia com que a Prefeitura do Rio continua agindo.
Infelizmente, os movimentos sociais mais organizados, as forças populares do Rio de Janeiro não perceberam isso a tempo. Em suas desorientadas e fragmentadas ações, não se constituiu, por exemplo, uma rede suficientemente potente para apoiar aquelas comunidades e a devida pressão aos órgãos públicos competentes, tal como ocorreu na comunidade Canal do Anil em 2007. Perdemos a chance de levar os tiranos às cordas e obrigá-los a repensar seu projeto macabro de segregação social na cidade do Rio de Janeiro.
Com a queda da Vila Harmonia (e também da Restinga, Notre Dame e Vila Recreio II), verifica-se uma saturação da capacidade de ação dos Defensores Públicos do Núcleo de Terras e Habitação. São apenas seis defensores para apoiar juridicamente centenas de comunidades, dezenas delas sob ataque direto da Prefeitura, com requintes de crueldade. Além disso, é patente uma certa letargia das organizações comunitárias para unirem-se em torno de um projeto comum que afronte diretamente o Prefeito Eduardo Paes, o principal fiador do projeto do Capital para o Rio de Janeiro nos próximos vinte anos[i]. Essa dispersão deixa margem para negociações parciais, individualismos, falta de solidariedade e, finalmente, vitória da barbárie!
Sobre o Judiciário e o Ministério Público, não há muito o que dizer. Sua associação direta[ii] com o comandante-em-chefe dos criminosos da Prefeitura lhes esvai qualquer possibilidade ou legitimidade para mediar os conflitos ou simplesmente corrigir as posturas dos agentes públicos antes, durante e após as ações de violência e terrorismo de estado impostas às comunidades.
Há que se registrar também, a ainda descoordenada atuação dos poucos parlamentares envolvidos diretamente no apoio às resistências populares e nas denúncias contra as arbitrariedades. Não é possível entender, por exemplo, como não se estruturou, até agora, frentes parlamentares e comissões sérias, nos três níveis, para congregar e atuar de forma mais incisiva na apuração e encaminhamento de denúncias sobre os crimes cometidos pelos representantes da Prefeitura do Eduardo Paes. Espaços como esses, dentro dos parlamentos, poderiam funcionar também como núcleos de pressão política direta sobre o próprio Judiciário e o Ministério Público.
O momento atual é de uma reavaliação profunda das táticas e estratégias adotadas pela resistência até agora. Os esforços para saber "o que vem por aí" da corja que administra a Prefeitura do Rio são importantes, mas menos urgentes do que fazer-mos um grande inventário de potencial político e jurídico que ainda nos resta para organizar nossa atuação e, se possível, uma grande ofensiva. Nos próximos dias, vou explorar um pouco essas idéias introduzidas aqui, tentando registrar como processos de grande e de pequena escala se combinam para configurar os territórios de exceção em que se transformaram as favelas e comunidades pobres da Cidade.


Jorge Borges é geógrafo e assessor técnico
Twitter: @jorgeborgesrj
Skype: jlborgesrj