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terça-feira, 19 de abril de 2011

Índio é gente

Xico Graziano
Fonte: OESP, Espaço Aberto, p. A2

Índio é gente


Xico Graziano

            Hoje é o Dia do Índio. Merecido. A data ajuda a valorizar as origens da sociedade, provoca reflexão sobre o presente. Difícil é descobrir o que guarda o futuro para os remanescentes indígenas. Haverá espaço para eles na sociedade pós-moderna?
            Talvez 5 milhões de nativos, ninguém sabe ao certo quantos, viviam no Brasil na época do descobrimento. Distintamente da colonização espanhola na América Central, os portugueses aqui não atuaram para dizimá-los. Longe do confronto, os índios mantiveram espírito colaborativo com os colonizadores.
            Eram rudimentares e dispersos os índios brasileiros. Viviam como na Idade da Pedra. Ignoravam a faca e o anzol, nunca haviam visto uma galinha ou um cavalo, comiam mandioca, desconheciam a banana. Não ergueram castelos nem usavam joias. Esse "atraso" histórico os levou ao encantamento com as bugigangas tecnológicas trazidas pelos portugueses.
            Sabe-se que as doenças europeias - gripe, sífilis, rubéola - causaram elevada mortandade nos povos originais das Américas. A perda de territórios e a miscigenação também foram causas de decréscimo populacional. Resultado: hoje se contam 460 mil índios nas aldeias, distribuídos entre 225 tribos. As línguas originais, estimadas em 1.300, reduziram-se a 180 dialetos.
            Somam 107 milhões de hectares as reservas indígenas brasileiras, distribuídas em 611 territórios, dos quais 98% pertencem à Amazônia. Não é pouco. Tais espaços, protegidos pela Fundação Nacional do Índio (Funai), ultrapassam em 48,6% a área cultivada no País, exceto pastagens. Significa que cada índio, contando crianças e mulheres, domina uma média de 228 hectares. Na agricultura, a área média dos estabelecimentos rurais, segundo o IBGE, soma 68,2 hectares.
            Pode parecer muita terra para pouco índio. Mas faz sentido. Além da necessidade de preservação florestal das imensas glebas, tornado viáveis a caça e a pesca artesanal, as reservas indígenas cumprem, simultaneamente, função ambiental relevante, protegendo valiosos ecossistemas naturais. Justificam-se, assim, duplamente.
            O núcleo da questão indígena não reside no tamanho da área que eles ocupam. Nem na recente, e controversa, demarcação de novos territórios, que avançam sobre terras agricultadas há décadas, particularmente em Roraima e em Mato Grosso do Sul. O dilema, mais complexo, advém do papel destinado aos remanescentes indígenas na sociedade atual. A dúvida parece ser eterna: é melhor mantê-los distantes, isolados, ou certo seria promover sua integração na sociedade? Tutela ou suicídio étnico?        
            A prudência indica o caminho do meio. Mas a rota é difícil. Os vetores da modernidade, alimentados pela facilidade da comunicação, atingem em cheio as aldeias indígenas, afetando seus costumes e danificando sua cultura secular. Levam, ao mesmo tempo, qualidade de vida e alcoolismo, televisão e prostituição. Como se opor ao progresso?
            Jean-Jacques Rousseau, em seu famoso Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens (1755), provocou uma grande polêmica ao defender o "nobre selvagem". Dizia o filósofo suíço que o "estado de natureza" primitivo era moralmente superior à civilização, pois esta deformava a essência humana. Deu o que falar.
            É aristotélica a discussão, que nunca perdeu sua pertinência, sobre o caráter da natureza humana. Agora, sob os imperativos da sociedade tecnológica e globalizada, a pergunta permanece: serão os povos tradicionais naturalmente bons? A pergunta nunca esboçou fácil resposta.
            Recentemente estive no México visitando as ruínas das civilizações pré-hispânicas, desde a cidade sagrada de Chichén Itzá, símbolo da civilização maia, até o recém-descoberto Templo Mayor dos astecas e o mistério de Teotihuacán, com suas magníficas pirâmides do Sol e da Lua.
            Curtir aquela estranha beleza histórica não suplanta o horror de descobrir que templos, pirâmides e cenotes eram, na verdade, venerados locais de sacrifícios humanos. Princesas se assassinavam barbaramente em rituais religiosos, alimentando o poder macabro daquelas sociedades antigas. Para os astecas, o equilíbrio cósmico só seria mantido se os deuses fossem alimentados com "corações palpitantes". Crueldade pura.
            Nós somos levados a ser condescendentes com os povos primitivos, talvez por buscarmos um subterfúgio que esconda as mazelas da sociedade atual. Esse esconderijo mental, ultimamente, inventou que os indígenas seriam "ecológicos". Um conceito idílico, falso.
            Os tupiniquins foram grandes incendiários da floresta virgem, utilizando o fogo para abrir roça - a conhecida "coivara" - e encurralar a caça. A devastação da floresta atlântica começou com a aliança entre portugueses e índios. Juntos, com machado afiado, derrubaram todas as árvores de pau-brasil que conheciam.
            Questionar a santidade dos antepassados explica parte do sucesso do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, imperdível livro de Leandro Narloch. Ele "joga tomates" na historiografia oficial e contesta o mito do índio como homem puro, vivendo em harmonia com a natureza, ideia comum na cabeça das pessoas, das crianças principalmente.
            Nas comemorações do Dia do Índio, a melhor forma de valorizá-los será tratá-los dentro da sua própria vivência, jamais os estereotipando como sublimes representantes da bondade celestial. Há índios perversos, como perversos são aqueles que não os toleram.
            Apostar na diversidade étnica e cultural mistura respeito com realismo. As famílias indígenas carecem ter oportunidades, educação, vida saudável, cuidados do Estado. Nada que ver com a tutela que os trata como se incapazes fossem.
            Índio é gente, ser humano, não bicho estranho.

           
Agrônomo, foi secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

e-mail: xicograziano@terra.com.br

quinta-feira, 14 de abril de 2011

As nódoas em nós


Chico Alencar*
            “Um grito ouviu-se em Ramá, de pranto sentido e lamentação: é Raquel que chora seus filhos, e não quer ser consolada, porque eles não existem mais”  (Mt, 2, 18)
            A dor indizível e inconsolável das famílias que perderam suas crianças, até há pouco alegres alunos da Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, no Rio, exige de nós consternada solidariedade.  Ter filhas, netos, irmãos, amigas ceifadas no alvorecer da vida é a pior tragédia que pode acontecer, e só o conforto humano e a fé dão forças para seguir sobrevivendo. Perdê-los no espaço sagrado de uma sala de aula, no início da manhã ensolarada, é mais absurdo ainda.
            Mas o acontecimento terrível também impõe profunda reflexão.  Uma tragédia como esta não se insere no painel tristemente costumeiro da criminalidade, e sim no da violência social insana. É difícil reconhecer que os gatilhos exterminadores também foram, de maneira indireta e invisível, apertados por todos os que temos responsabilidade pública. Mas a matança perpetrada por um indivíduo mentalmente degradado tem propulsores sociais que nos dizem respeito. 
            O assassino estava com dois revólveres e fartamente municiado porque é frouxo o controle da circulação de armas e munições em nosso país. O armamentismo ilegal é objeto de crescente tráfico, e favorecido também pela cultura importada do ‘cada indivíduo uma arma’.
            O criminoso imbuiu-se de uma ‘missão de terror’ porque os meios de comunicação de massa e de ‘entretenimento’ disseminam serial killers, vídeo-games, filmes e seriados propagadores da violência, da eliminação dos adversários como valor maior, do espetáculo da destruição.
            O transtornado, no seu isolamento, apartado de política pública preventiva de saúde mental, cristalizou comportamento mórbido talvez estimulado por fanatismos e pseudo religiosidade sectária, que classifica as pessoas em ‘puras e impuras’.
            O matador encontrou facilidades no seu trajeto de morte porque nossas precarizadas escolas públicas já não têm quantitativo de servidores que possa contribuir para maior segurança do cotidiano pedagógico.
            O homicida, já condenado, foi produzido, de alguma maneira, também por nossa omissão, por nossa indiferença. Talvez por nossa adesão ao mundo torpe da competição desvairada, da anulação do outro, do desprezo pela dignidade humana. Ambiente civilizatório perverso que muito(a)s educadore(a)s – tantas vezes vítimas dele – e cidadãos de bem lutam por transformar, para que nossas crianças, livres de bullying e repletas de carinho, tenham possibilidade de futuro.
Tasso da Silveira (1895/1968), poeta que dá nome à enlutada escola, já reconhecia, profético, que “a hora é de tumulto e incerteza”, mas também de “reiniciação na esperança e promessa de esplendor”. Assim seja!

Chico Alencar
Deputado Federal PSOL/RJ
Professor, tendo lecionado por 15 anos na rede municipal do Rio de Janeiro.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Mau uso da liberdade de expressão na TV


         A liberdade de comunicação e expressão é muito útil e para o nosso bem, da mesma forma que comer, adoçar, temperar, trabalhar, descansar, etc, são igualmente úteis e importantes na vida de qualquer pessoa. No entanto, não podemos esquecer que: se exagerarmos em qualquer uma dessas coisas, elas tornam-se prejudiciais e danosas.
         Infelizmente, a maioria das emissoras de televisão vem confundindo a liberdade de expressar pensamentos e opiniões com a libertinagem pagã de expressar imoralidades e palavrões em qualquer tempo e em qualquer lugar. Os países desenvolvidos praticam a liberdade de expressar qualquer pensamento e opinião, mas respeitam os limites éticos, morais e familiares, que nós também deveríamos respeitar.
         De fato, liberdade de expressão é benéfica a qualquer sociedade porque permite a participação de todos através do direito de apontar erros, reclamar, sugerir ou criticar. No entanto, a partir dos anos 90, uma liberdade de expressão, muito além da boa medida, tem produzido efeitos colaterais bastante nocivos. A ausência de uma fiscalização governamental vem propiciando comportamentos cada vez mais irresponsáveis por parte das empresas de comunicação.
         Observe que a televisão brasileira, visando altos ganhos financeiros, vem vulgarizando e estimulando o prazer inconseqüente, a irreverência, o sensualismo, a imoralidade, a mentira, a infidelidade conjugal, a nudez e o desrespeito. Desrespeito ao corpo, ao próximo, à família e à boa formação da infância e da juventude. Estes fatos vêm acontecendo porque o mercado de informação, notícias e entretenimento, é o único mercado que não possui órgãos públicos para fiscalizar suas atividades.
         O maior problema, conseqüente da ausência de um órgão para fiscalizar e disciplinar os veículos de comunicação, está no fato de que os atuais excessos induzem os adolescentes ao uso de drogas, à depravação sexual, a “heróicas” violências, a roubos e assaltos e inúmeras outras irracionalidades como temos visto na maioria dos noticiários. São muitas desgraças, que vão de bárbaros homicídios, como o caso do índio de Brasília em 1997, a inúmeros estupros em família estimulados ou induzidos pelas cenas eróticas da TV.
         Infelizmente, a Televisão brasileira tem estimulado comportamen­tos que levam às graves enfermidades sexuais, a traições conjugais e desilusões que muitas vezes levam alguém para a morte. Talvez, o pior de tudo, seja o fato de adolescentes estarem gerando filhos bastardos, desprezados e até lançados nas lixeiras públicas. Esta realidade tem assustado significativamente a família brasileira. A maioria ainda não compreende ao certo a causa de tantas aberra­ções e tragédias, mas já anda desconfiada do exagero da liberdade de expressão principalmente na TV. (Um exagero que, inclusive, vem gerando grandes equívocos no campo dos valores humanos e sociais).
         Veja que a dança e a nudez, por exemplo, atualmente muito estimulada pela TV, nunca foram sinais ou evidências de desenvolvimento. Na verdade, é totalmente ao contrário. Basta olharmos para algumas civilizações passadas e para os países e povos mais subdesenvolvidos do mundo atual, e vamos constatar que o excesso de dança e a nudez são indicadores de subdesenvolvimento. Isso não quer dizer, entretanto, que a falta de dança e o excesso de vestimentas indique o contrário. O desenvolvimento e o progresso estão sempre ligados ao bom senso e à moderação, nunca ao pouco nem ao excesso.
         Alheia a esta realidade, a mídia brasileira vem faturando alto com a exploração da irreverência e do sensualismo, sem se dar conta deste grande mal que está semeando na nossa sociedade. A irreverência e a sensualidade são duas sementes muito “bonitinhas”, porém, de conseqüências extremamente malignas ao longo do tempo. Estas duas sementes, depois de germinadas, resultam em violências e desgraças que contribuem para consolidar um estado de pobreza e de miséria. Os povos desenvolvidos cultivam a reverência e a decência porque já conhecem os maus resultados da irreverência e da sensualidade.
         Portanto, se continuarmos fazendo “vista grossa” às depravações que estão em crescimento na nossa cultura, e concordarmos estaticamente com a proliferação da dança imoral, do desrespeito generalizado, da nudez na TV e nos veículos de comunicação em geral, estaremos concordando, na verdade, com a proliferação e o aumento do subdesenvolvimento e de todas as suas amargas conseqüências familiares e sociais.

Valvim M Dutra
Extraído do capítulo 4 do livro Renasce Brasil. Também disponível no site www.renascebrasil.com.br/f_liberdade.htm

domingo, 10 de abril de 2011

A tragédia em Realengo e algumas considerações

* Alberto José Patricio Pereira

            Por mim, não comentaria mais nada a respeito dos últimos acontecimentos envolvendo o massacre ocorrido na Escola Municipal Tasso Fragoso da Silveira, em Realengo, no qual foram vitimadas fatalmente 12 crianças e algumas estão internadas, sob a arma de um jovem que sofria de alguns danos de ordem psicológica. Mas, como não vivo sozinho e isolado neste mundo e meu ofício não me condiciona a ter tal privilégio, tentarei esboçar algumas questões. Não pretendo aqui fazer uma análise mais ampla mas, pelo menos, que estas linhas possam fomentar e acrescentar para um debate mais sério sobre a questão.
            Primeiro, parabenizando a declaração do Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani Tempesta que, tomando conhecimento de tal fato, dirigiu-se ao local, declarando sua solidariedade às famílias em seus momentos de dor, e ainda afirmando sobre os valores que pautam a sociedade na atualidade, afirmando que “O que vimos, ouvimos e presenciamos deve nos levar a refletir sobre os valores que aprendemos e trazemos no coração, e é também um desafio para trabalhar mais e melhor pelo bem, pela fraternidade e pela paz”.
            Mas, não é isso exatamente o principal foco que quero abordar. O destaque está relacionado aos órgãos responsáveis pela informação: a nossa querida imprensa. Já é fato consumado que, quando de acontecidos de grande comoção, ela faz um papel fundamental de manter em dia quaisquer informações que sejam relevantes. Mas o mais assustador e impressionante é a capacidade de quase interferir na vida das pessoas: não respeitando o luto das famílias, preocupados somente com os show de imagem que proporcionam e impressionam. Mais ainda: deplorável o fato de “montarem plantão” na porta da casa do atirador, o jovem Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, mexendo diretamente com a vida dessas famílias e, mais ainda, pondo em risco sua segurança, já que não podem circular livremente, pois a imprensa é a primeira a gritar em favor da liberdade de expressão e do ir e vir, nesse caso, está fazendo exatamente o contrário, ao expor de forma direta tal situação incita, no inconsciente das pessoas, já tão massificadas por atos violentos em seu dia a dia, o sentimento de revolta e indignação, demonstrado neste último fim de semana quando algumas pessoas depredaram e pixaram a casa dos familiares de Wellington. Sem contar que, se os parentes de Wellington não forem ao Instituto Médico Legal para iniciar o processo de liberação do cadáver para sepultamento, este será enterrado como indigente.
            Como mostra o Documento da CNBB nº 47 Educação, Igreja e Sociedade, nos faz refletir qual é o verdadeiro papel deste instrumento importante e também qual deve ser o nosso comportamento, enquanto telespectador e interlocutor: “(...) não se pode pensar a sociedade moderna sem a atuação dos meios de comunicação. Constituem em si um elemento positivo para a difusão de conhecimento, lazer e convivência de pessoas, grupos e culturas. (...) Há nesse campo algumas experiências positivas, mas prevalece a ausência da consciência crítica. Sem menor respeito ao ambiente em que vivem e às condições econômico-sociais, as pessoas são levadas a cópias e imitação da linguagem, dos comportamentos e modismos difundidos pelos meios de comunicação. Chega-se, assim, por vezes, à destruição da vivência familiar e dos valores éticos, sociais e religiosos, uma vez que os interesses econômicos passam a ditar as mensagens.”
            Dessa maneira, a desgraça alheia se torna o grande espetáculo, quando os ingratos aparelhos de TV estão instalados em todos os lugares. Não se pode fazer mais uma refeição com tranquilidade, porque você é logo bombardeado com flashes sobre os acontecimentos que, se os locais tivessem um pouco mais de respeito, nem veiculariam determinadas notícias em horário de almoço, que se exige um ritual de solenidade e concentração, sem contar que, a todo instante, somos invadidos em nossa privacidade, pois não é só simplesmente desligar os aparelhos, pois, se sai às ruas, tem sempre alguém que falará alguma coisa do acontecido, com base do que viu na TV. Conclusão: os aparelhos nos invadem 24 horas por dia ininterruptamente.
            Mas, o que quero destacar foi uma das faixas que não precisei seus dizeres, mas alertando os governantes para o “até quando assistiremos a cenas de tanta violência, até quando os cidadãos se sentirão inseguros na cidade.” O fato acontecido pode ser considerado como quase inédito no Brasil, com exceção do que aconteceu num cinema em São Paulo, onde um jovem entrou num cinema e, com uma metralhadora, atingiu e matou 4 pessoas. Comuns são os casos em que são constatados casos de insanidade mental e desvios de comportamento, e que pouco se faz para que essas pessoas tenham um tratamento adequado às suas necessidades, sem contar também que o jovem Wellington sofria muito com as “brincadeiras” realizadas por colegas, que em depoimentos de pessoas que estudaram com ele, dizendo ser ele uma pessoa “esquisita e de  hábitos estranhos. O rapaz era vítima de chamado bullying, em que a pessoa é constantemente hostilizada e constrangida por colegas de sala de aula e, em alguns casos sofre constrangimentos até por parte dos professores. A reação da vítima pode não ser imediata ante essas agressões, mas, ao longo da vida, ela vai introjetando em sua mente uma série de traumas sofridos e, um dia, ter a possibilidade de externar sua revolta contra tudo que sofreu e, no seu inconsciente, a escola tornou-se a referência do lugar onde ele passava os piores momentos da sua vida, lembrando os calabouços dos castelos medievais, as câmaras de gás dos campos de concentração para judeus durante a Segunda Guerra Mundial e, na história mais recente, nos quartéis de delegacias que serviram de pontos de torturas a presos políticos durante a ditadura militar.
            Assim, as autoridades se mostram muito consternadas com tal acontecido, buscando dar respostas imediatas a coisas que deveriam ter o maior cuidado em priorizar como ações eficazes para melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, como na educação e na segurança pública; e o povo, por sua vez, calejado com tal situação, quer “pagar pra ver”.
            No nível dos direitos humanos, tão criticado por determinadas autoridades, programas televisivos e que torna também a voz do senso comum, então nós, cristãos comprometidos com as causas sociais, e que não podemos “nos calar diante da morte”, em conformação com o anúncio da Boa Nova de Cristo, somos a favor da vida e, quando em protesto as pessoas exibem faixas exigindo maiores atitudes dos governos constituídos, nos impulsiona a não somente nos solidarizar com as famílias que sentem a grande dor da perda de suas pessoas queridas, mas de criar alternativas de ação para que, juntos possamos construir um mundo mais fraterno e menos violento para todas e todos nós e, isso só terá eficácia se essas atitudes de mudança começaram a partir de nossa própria casa que, nas estatísticas atuais, mostram que os maiores casos de violência são constatados no seio das famílias.


* Professor de Sociologia da Rede Estadual de Ensino do Rio de Janeiro
* Estudante de Filosofia pela Universidade Rural do Rio de Janeiro
* Integrante e produtor do Programa Fé e Política
* Leigo atuante nas Pastorais Sociais da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro

O massacre em Realengo e questões relevantes

Extraído do Jornal Tribuna da Imprensa. Sexta-feira, 08 de abril de 2011

Os jornais divulgam que o massacre de Realengo “mobiliza autoridades e a presidente Dilma Rousseff se diz chocada”. Não se podia esperar outra coisa. Mas o que irão fazer? Nada, podem apostar.
Carlos Newton
Há quem sugira aumentar o controle sobre as escolas, contratar mais seguranças e porteiros, instalar sistemas integrados de TV etc. Mas será que é por aí? Surgem também os mais diversos tipos de explicações técnicas e especializadas, não faltam teorias escalafobéticas.
Os repórteres logo assediam os principais psiquiatras e psicanalistas do país. E cada um responde como pode. O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva, foi um dos mais procurados. Disse que o atirador de Realengo provavelmente sofria de transtorno de personalidade e não de doença mental.
“É um tipo de comportamento chamado em inglês de mass murder, ou seja, assassino em massa. Geralmente são indivíduos entre 20 e 30 anos, solitários, que não param em emprego, com poucos laços com família, amigos e vizinhança. Eles costumam ter traços paranoides. Por exemplo, achar que todos são sacanas com ele, olham estranho ou estão falando e tramando contra ele. Procuram o isolamento social e às vezes podem estar tristes ou mostrar sinais de depressão. Buscam vinganças contra perseguidores reais e imaginários”, disse o psiquiatra, acrescentando que diferentemente de uma doença mental (depressão, ansiedade, esquizofrenia, transtorno bipolar e outras fobias adquiridas e desencadeadas por algum fator), no transtorno de personalidade a pessoa já nasce com o problema. E não há tratamento.
Além disso, o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria ressalvou que difícil é dizer qual seria esse transtorno: paranoide, esquizoide, borderline, narcisista, histriônico, obsessivo compulsivo ou antissocial?
Traduzindo: é tudo especulação. Para saber exatamente, só se algum médico tivesse examinado o atirador. Enfim, chegamos ao ponto. Nenhum médico examinou o atirador, para identificar-lhe a periculosidade. Este é o ponto crucial, a única providência que poderia ter evitado a tragédia.
Pela carta que deixou, constata-se que era evangélico mais do que convicto, que nas mãos de algum pastor incompetente sofreu uma lavagem cerebral e passou a dividir a sociedade entre puros e impuros.
Mas ninguém na Igreja que ele frequentava, nem mesmo seu adorável e dedicado pastor, percebeu a periculosidade desse jovem?  Por quê? Ora, porque esse tipo de fiel, radical e robotizado, é cada vez mais comum nas igrejas evangélicas, onde essa voluntariosa “devoção” é saudada como uma mensagem divina.
Vamos falar claro: esse tipo de pastor só pensa em faturar fieis, porque isso significa faturar dízimos, esta é a realidade dos tempos atuais, deixemos de hipocrisias. Se estivesse numa igreja em que o pastor realmente se preocupasse com os fiéis, alguém teria percebido que o rapaz tinha problemas mentais e tentaria encaminhá-lo a tratamento.
Chegamos, então, a outro ponto crucial. Com a progressiva derrocada da rede pública de saúde, como oferecer assistência psiquiátrica e psicológica a um paciente como esse, que precisa de tratamento intensivo, com uso de medicamentos caros e assistência permanente?
Então, a culpa não é somente do pastor, que até agora não foi identificado. Boa parcela da culpa reside no descaso das autoridades brasileiras, que nas últimas cinco décadas, pelo menos, se dedicam a destruir o sistema público de saúde, para beneficiar os hospitais e clínicas particulares. Esta é uma verdade que não admite contestação. Todos sabem, todos percebem, e ninguém reage, ninguém toma providências. Saúde é um direito constitucional, tinha de ser garantido a todos.
Mas para que serve mesmo a Constituição? Ora, acaba de servir para manter na política uma série de pilantras, conhecidos como fichas-sujas, como Maluf, Barbalho e muitos outros seguidores fiéis, que são como grande número de pastores e estão obcecados por uma divindade etérea, que somente se materializa nos caixas dos bancos. Aleluia, irmão!

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Luta.Paz e Pão, Alex Prado.: DOM ORANI FALA SOBRE TRAGÉDIA EM REALENGO

Luta.Paz e Pão, Alex Prado.: DOM ORANI FALA SOBRE TRAGÉDIA EM REALENGO

Programa Fé e Política - 29 de janeiro de 2011

O Programa Fé e Política apresentou como assunto de destaque a Campanha da Fraternidade de 2011, cujo tema é o Meio Ambiente e para conversarmos a respeito foi convidado Alex Prado, militante desde 1971 pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, ambientalista, morador e integrante da Pastoral do Meio Ambiente, da Paróquia São João Evangelista, no Rio da Prata (Campo Grande).
Alex Prado mostra que existe uma estreita relação entre o tema deste ano e do ano anterior (Fraternidade e Economia): a questão ambiental relacionada com a cultura do consumo do cidadão, de que maneira ele usa seu salário para consumir bens que não prejudiquem a natureza e, de maneira particular no Rio de Janeiro, e no âmbito geográfico, qual a importância da Baía de Sepetiba no contexto não só da preservação de fauna e flora, mas também como área de pólo potencial de turismo.
Apresentando o assunto, relata que as discussões em torno do meio ambiente tornam-se mais intensas após a Conferência Mundial sobre Meio Ambiente, realizada no Rio de Janeiro em 1992.
Ainda é necessário que o processo intenso de industrialização não leva em conta às questões ambientais, por mais que atualmente haja uma intensificação e incentivo às empresas em estarem relacionadas como aqueles que têm responsabilidade social, ressaltando ainda que as questões ambientais também dizem respeito à ocupação urbana da cidade, muito desordenada e que os governos pouco se interessam em aplicar uma política séria e inclusiva nesse campo.
Também o programa contou com a participação do companheiro Angelo, militante da pastoral do Meio Ambiente que atua na região do Barata (Realengo) e que destaca a importância da massificação do tema da Campanha da Fraternidade não só em âmbito religioso (Igreja Católica em particular) mas que seja feita em toda a sociedade.
Angelo também ressalta, assim como Alex Prado, o avanço da especulação imobiliária na região do Gericinó, área que compreende os bairros da Zona Oeste (Deodoro, Vila Militar, Magalhães Bastos e Realengo) até os municípios da Baixada Fluminense (Nilópolis, Mesquita e Nova Iguaçu), além dos projetos antigos que alguns deputados mencionam como forma de “desafogar” o trânsito da Avenida Brasil, numa ligação direta entre a Zona Oeste e a Baixada Fluminense, além de transformar a área num imenso “Aterro do Flamengo”, e o mais grave é a implantação de um lixão clandestino na área de Nilópolis, e, na atual situação, faz-se necessária a informação direta e intensa à população, apostando em sua organização contra tais atrocidades.
Ainda continuando o debate, usando como referência o Texto Base da Campanha da Fraternidade de 2011, na estrutura do capitalismo atual é possível que se trabalhe essa questão do meio ambiente e se existe limite entre o que convenciona-se de progresso casado com a preservação. Refletindo, é possível analisar que essa dicotomia progresso/preservação não se torna possível, pois o capitalismo visa o lucro sem limites, assim da mesma forma que não existe compatibilidade entre amor e vida nesse sistema.
Partindo para a questão interna brasileira, o governo Lula (2003-2010) foi bem sucedido para o avanço da gerência desse sistema capitalista, deu o fôlego suficiente para que este sobreviva, mas ainda pensando numa perspectiva nossa de que ele possa ser superado, após atingir o auge de seu desenvolvimento, e ser destruído numa crise futura, abrindo espaço para novas alternativas. Enxergar a realidade para enfrentá-la, por isso é necessário o fortalecimento das organizações populares, com uma nova cara e novas perspectivas. E a questão ambiental pode ser um desses caminhos em vista dessa nova visão.
Dessa forma, a discussão e a aplicação em prática da reforma agrária se faz urgente e necessária, pois até em países capitalistas ela já acontece, mas essa questão ainda é muito fragilizada no Brasil, que seria uma ótima alternativa para o combate ao desemprego e o processo mais livre para o desenvolvimento sustentável.
Na dimensão teológica, o ser humano já se compreende como a figura mais importante da criação divina e, numa visão equivocada dessa posição, ao acumular bens, se vê como figura de maior destaque ainda. Cabe à Igreja Católica, com a CF 2011 e em outras de suas ações, assim como as outras religiões podem ter esse papel, de serem fundamentais nesse processo, com o maior engajamento de suas lideranças, o que hoje ainda é um grande desafio – e nisso destacamos o papel do clero como precursor dessa mensagem – estimulando a juventude que, historicamente, tem um papel fundamental no processo das mudanças estruturais da sociedade.
Voltando à discussão do tema da CF 2011, a linguagem da Igreja durante o período de reflexão do assunto, deve ser catalisadora dos anseios da base, como preocupação diária, não só em pequenos gestos de não jogar lixo na rua, separar o lixo, não jogar lixo nos rios, mas exigir também do governo que seja mais intensa a fiscalização e punição às empresas que insistem em degradar e destruir o meio ambiente.
Assim, o ser humano citado na Bíblia, criado à imagem e semelhança de Deus, não deve ser só esse “parecido” com seu Criador, não agir por conta própria, impulsivamente, mas de maneira que introjete a sua missão e função de “dominar”, não domar e destruir, mas que seja pleno e intenso seu amor e seu cuidado com a natureza.
Retornando o debate aos temas locais, em particular a cidade e o Estado do Rio de Janeiro, a região apresenta problemas drásticos e cruciais à discussão envolvendo o meio ambiente; área que esteve muito tempo atrelada aos interesses centrais; em seguida, após os governos de Leonel Brizola, caracterizam-se governos que atendem, sem qualquer medida, aos interesses das elites locais, demonstrando um atraso político e quase um completo abandono da União em relação ao Rio de Janeiro.
Como não poderia deixar de ser mencionada, a questão ambiental passa fundamentalmente pela preservação da saúde e, em termos institucionais, o fortalecimento da atuação do SUS nos Estados e municípios se faz necessário para a solução dos problemas na saúde pública, além de ações governamentais efetivas em outros setores (infra-estrutura, transportes, ciência e tecnologia, educação, etc).
Voltando às questões internas da Igreja Católica, é enfatizado novamente a importância da atuação do clero católico na questão ambiental, em particular, pois são produzidos ótimos documentos reflexivos e propositivos e que não têm a eficácia na aceitação de sua base clerical e, já tendo essa preocupação, o arcebispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro, D. Orani Tempesta, essa postura dos padres tem que começar a mudar e já é sentida algumas mudanças, quando da intensificação das atividades na área de comunicação da arquidiocese. Sobre essa questão da atuação da área de comunicação, lembramos o discurso do próprio arcebispo, numa das celebrações do dia de São Sebastião, que a arquidiocese enviaria pessoas no intuito de relatar os acontecimentos da tragédia da Região Serrana, pois não suportava mais o sensacionalismo barato produzido pela grande mídia.
Como possíveis soluções apontadas no debate: mapear situações críticas de degradação ambiental nos limites da cidade, refletir e interferir diretamente sobre tal situação; exigir o uso de combustíveis alternativos, em particular nos meios de transportes de massa; observar que em cada região o olhar político é diferenciado, mas é unanimidade afirmar que a dinâmica de se pensar a cidade hoje, principalmente veiculada pela mídia, através da palavra de alguns especialistas, de que atualmente a cidade ainda é pensada numa visão e numa lógica elitistas.
Ainda no âmbito mais particular, na Serra da Misericórdia, região onde fica localizada a Rádio Bicuda (Vaz Lobo, Madureira, Cascadura, Vicente de Carvalho), Alex sugere que se intensifique o plantio de arbustos de pequeno porte, e que isso pode ser feito num trabalho de conscientização das autoridades e, principalmente, da população local, por meio de projetos efetivos junto às escolas, entidades religiosas, entidades culturais, etc., incluindo um projeto de profissionalização e posterior remuneração dos trabalhadores locais, tendo pequenas experiências do que seria o desenvolvimento sustentável.
Foi colocado como reflexão o texto do Gênesis 1, 46 que trata efetivamente da missão que Deus concede ao ser humano como guardião da natureza, dominar e domesticar todas as formas de vida sobre a terra. O termo dominar vem do latim domino ou Domine, que significa senhor, interpretado como o senhor de bondade e não o senhor como papel de dominador. Assim, a palavra é viva – e assim se dão as interpretações e sua utilização – o papel distorcido do dominador é aquele que não dá chance à vida, aquele que subjuga e submete, por meio da força. A verdadeira dominação passa pelo processo salvífico, pelo amor e pela preservação da natureza ou do meio ambiente, que se tornam eixos centrais para compreendermos a harmonia e a dimensão da vida.
Para finalizar nossa conversa, fizemos menções sobre personagens que se destacaram como defensores incansáveis das causas ambientais: Chico Mendes, através de sua luta e martírio, projeta a questão para o mundo. Podemos lembrar também de lideranças que hoje são ameaçadas de morte, por disseminarem que a questão da terra é uma questão de justiça, de vida, da mãe terra – como se referem a ela os indígenas – que acolhe seus filhos e lhes dá o suficiente para sua sobrevivência e convivência. Torna-se necessária uma atuação mais intensa de nossa Igreja nas questões de defesa e comunhão com os oprimidos, pois agindo assim, estão ouvindo melhor os apelos evangélicos da mensagem de Jesus, que sempre tem como eixo central a luta por mudanças.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Programa Fé e Política - 22 de janeiro de 2011

           Feita a apresentação dos componentes da mesa, iniciamos o a leitura da motivação sobre a criação do Dia Contra a Intolerância Religiosa (21/01). Na Mesa:
            Marcos, representante da TCAF casa de Umbanda e presidente do Movimento Umbanda do Amanhã (MUDA), que tem trabalhos inúmeros na área social.
            Pe. Niraldo Lopes, pároco responsável pela Paróquia Cristo Rei, em Vaz Logo e orientador espiritual na Arquidiocese do Rio de Janeiro das Comunidades Eclesias de Base (CEBs), representante da Igreja católica, diz que tolerar é em primeiro lugar ter o respeito pelas pessoas, principalmente que esta atitude deve partir das pessoas de fé, partilhar, crescer e aprender.
            Diogo – Sacerdote Wicca, uma religião neopagã, que resgata o antigo culto às forças da natureza e também tem ampla luta contra a estigmatização de sua religião e perseguições que tiveram mais intensidade a partir do período da Inquisição Católica.
            Mio – Representante dos Ciganos, estes não definem para sua cultura uma religião própria, respeitando todos os credos e religiões.
            Como motivação do debate, qual a importância do respeito entre semelhantes, entre seres humanos e também como pessoas de fé e, com isso, criar espaços para discussões e, nessa perspectiva, o que ainda falta a fim de acrescentar para que os grupos religiosos iniciem esse entendimento?
            Pe Niraldo destaca que a questão da divindade não caminha e nem pode ser identificada com discriminação, desconsiderando com isso o propósito do próprio Deus. No interior das religiões existem divergências de ideias e práticas e, mesmo assim, existe o respeito, pensando a própria diversidade da sociedade brasileira em particular e, sendo o corpo humano o templo vivo do Espírito Santo, não deve admitir a discriminação dos diferentes, e sim, a tentativa de entendimento e diálogo, e que isso deva ser a prática constante de todos os membros. Afirma ainda que a intolerância se manifesta pela falta de conhecimento e, nesse sentido, é necessário atitiudades ousadas de conscientização que nos levarão a compreender a importância de uma aproximação maior entre si, o que também nos impele a uma solidariedade maior com os mais sofridos.
            Diogo declara que o essencial para o combate à intolerância religiosa acontece pelo diálogo, que faz parte da boa convivência social, caminhando em paz e harmonia, pois o sentido da palavra religião vem do latim religare, “ligar e religar” o ser humano a Deus, aos deuses e aos irmãos de fé, para que haja a paz tão almejada por todos e todas, lembrando que essa atitude traria como referência para a própria situação de violência em que vive o Rio de Janeiro.
              Mio, em sua exposição, destaca o artigo da Constituição que destaca a liberdade religiosa assegurada a todos os cidadãos e cidadãs, e um trabalho para a mudança cultural das pessoas, atingindo principalmente às crianças para que sejam educadas para que respeitem todas as manifestações religiosas, pois ainda existe uma certa “ditadura religiosa” presente na sociedade. Afirma que a palavra tolerância deveria ser substituída pela palavra respeito, pois tolerar é simplesmente a ação que o “superior” tem, mas não se traduz no respeito, ou aquela história do “já que existe, então deixa” e ele destaca uma maior atuação dos promotores de justiça na defesa do povo contra ações de intolerância de qualquer natureza (étnica, religiosa, social, etc) usando a Constituição como uma grande arma.
            Prosseguindo debate, houve uma rápida explanação sobre a origem do “Dia Nacional Contra a Intolerância Religiosa” (1999) e também divulgou-se, resumidamente, o trabalho que vem realizando a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa no Rio de Janeiro, cujas reuniões acontecem todas as quartas-feiras a partir das 16h na Rua Sampaio Ferraz, 29 Estácio – Rio de Janeiro e para que se conheça mais o trabalho da Comissão, é só acessar o sítio www.eutenhofe.org.br.             
           No tocante às ações da Comissão, os participantes ressaltaram que este trabalho visa potencializar forças, movendo e sensibilizando toda a sociedade, mobilizando-a e também criar meios para um amplo diálogo  junto às autoridades constituídas no cumprimento da lei.
Sobre algumas atitudes de intolerância religiosa, destacou-se a imagem de N.S. Aparecida que fora chutada num programa da Igreja Universal do Reino de Deus e que teve grande repercussão e mobilização da sociedade frente a essas atitude; intolerância cria uma expectativa negativa a respeito de qual deve ser a conduta do fiel que professa sua fé: defender sua religião, transformando essa defesa ou apologia num ato de rejeição aos demais credos.
            Outro ponto em destaque foi o crime contra a natureza, para os wiccanos, desenvolvem a sua linha de raciocínio de que um dos maiores inimigos a atos de tolerância e respeito às religiões é o pleno fanatismo praticado por alguns segmentos, que incitam a violência contra outros grupos minoritários; destaca que a ganância e a autosuficiência também são responsáveis por esses atos de intolerância e que, ao invés de estarem os grupos em intensos conflitos, deveriam refletir um ponto que é comum hoje a todos nós: a questão do meio ambiente, que parte para uma não utilização não-sustentável do mundo que, segundo os wiccanos, é o grande mal da humanidade, pois as agências que controlam o poder afirmam-se também como dominadores da natureza, e que essa atitude só pode mudar com medidas de educação para transformações na própria cultura do desperdício que impera em nosso meio e que as religiões podem ter um papel fundamental no sentido da afirmação da ética, mesmo sabendo que outras instâncias podem também contribuir para tal atitude.
            Ainda relacionado às questões de cunho natural, Marcos afirma que os orixás são as representações das forças de domínio na natureza e por isso, a preocupação com o meio ambiente é de extrema importância, pois lá é a casa também dessas entidades, pois é da natureza que se extrai as forças necessárias as suas práticas rituais e também de promoção à vida do ser humano.
            Como parte final do debate, fica a questão: o que existe hoje mais nos une ou mais nos separa?
            Marcos afirma que não existe nada maior que o Criador e que estejamos conscientes dessa harmonia e combater tudo aquilo que nos degrada e nos separa, nos tornando sementes que frutificarão e que alimentarão a outros.
            Segundo Diogo, o mundo, a fé, o povo, o ser humano é um só, e que dependemos mutuamente uns dos outros, exemplificando o próprio ciclo da vida e essas diferenças nos devem fazer enxergar a multiplicidade do ser humano.
            Mio crê que a fé, a igualdade social podem ser fundamentais para a transformação da sociedade, desde que haja um respeito maior entre as diferenças entre indivíduos e grupos, sejam eles de qualquer natureza.

domingo, 3 de abril de 2011

Programa Fé e Política - 15 de janeiro de 2011

O Programa Fé e Política traz nesta edição a reflexão sobre o tema “Juventude e seu engajamento na Igreja nos dias de hoje”.
Para iniciar os debates, foi feita uma breve explanação sob o olhar sociológico do termo juventude, que esse grupo social e faixa etária devem ser analisados a partir da ótica sociológica, biológica e psicológica. A conferência da UNESCO, realizada na cidade francesa de Genoble, no ano de 1964, começa a delinear o que seria a juventude.
Uma preocupação traduzida em estudos das diversas ciências  relacionada a este grupo começa a ser desenhada efetivamente a partir da década de 1960, com os movimentos de contestação à ordem estabelecida, principalmente nos EUA e Europa, no interior das universidade, com grande repercussões para os movimentos culturais, o rock como música de protesto, tendo como seu maior expoente Bob Dylan, que terá seu auge em 1968, com as movimentações juvenis na França e, sem deixar de destacar o Brasil, que vivia o contexto da ditadura militar, as manifestações como a Passeata dos Cem Mil, demarcaram a inquietação da juventude durante este período de grandes agitações.
Comparando as gerações de 1960 e a atual, a primeira buscava uma maior liberdade e alternativas para uma mudança radical de vida e nos rumos da humanidade, usando o protesto como sua maior arma. A geração atual busca uma colocação na sociedade, incluir-se neste processo cada vez mais acirrado de competição. A luta hoje é por melhor qualificação e melhores empregos. E, quando este jovem se vê excluído, é alvo fácil, nas comunidades mais pobres, da atuação do tráfico de drogas, e nas classes médias, as gangues de lutadores e, em alguns países, o ressurgimento de movimentos neofascistas e neonazistas.
Assim, como problema sociológico, é necessário uma atuação maior no sentido da formação integral desses jovens, pois a escola também, em sua metodologia, não tem dado conta dessas necessidades das quais este grupo tanto anseia e uma inserção mais intensa dos professores neste processo de formação.
A provocação inicial foi a de que cada vez mais os jovens estão desinteressados do processo religioso, não seguindo os preceitos que embasam doutrinalmente tais instituições, pois o que está errado: seria a apatia “natural” dos jovens em relação à demanda social ou o modelo de Igreja apresentado não traz qualquer motivação para a participação do mesmo?
Assim, Julinho nos reporta um pouco da história de engajamento da juventude na Igreja a partir da chamada Ação Católica (JAC, JEC, JIC, JOC e JUC) que deram origem à Pastoral da Juventude.
O que é colocado em questão sobre a característica da geração jovem atual, a construção desse modelo apresentado e que predomina, principalmente na camada social mais pobre, reflete sobre aquilo como a própria realidade se apresenta. E que essa transformação de um contexto desfavorável só será possível a partir da via cultural e que é visível, nessa reflexão proposta, a qualidade dos ídolos e a dificuldade de identificá-los numa situação de um exemplo a ser seguido.
Nessa perspectiva, não deveria deixar de mencionar o “grande rodo” e, a partir disso, os rumos da PJ na Arquidiocese do Rio de Janeiro, processo iniciado no ano de 1994, quando o bispo auxiliar D. Raphael Llano Cifuentes, responsável pela juventude, destituiu toda a CAPJ (Comissão Arquidiocesana de Pastoral da Juventude).
Assim, a partir de então, a própria PJ da arquidiocese trilha por um novo rumo, pois, segundo seu bispo responsável, “A PJ é um grande guarda-chuvas, onde todos os movimentos de jovens da Igreja Católica serão contemplados”. O que se observou foi a descaracterização de uma pastoral que possuía uma organização em nível até mesmo internacional, e seus componentes tentando criar meios de “salvar” a estrutura anterior, criando grupos paralelos e o movimento chamado “Leste ZERO”, caracterizando-se como uma tentativa de “refundação” da PJ no Rio de Janeiro.
Em meio a toda essa crise, toda a estrutura foi modificada, inclusive o DNJ (Dia Nacional da Juventude) tornou-se um mero encontro de bandas católicas, e os temas propostos pela estrutura nacional, a partir de assembleias com seus grupos de base, ficavam praticamente esquecidos, e, em 2005, já com a responsabilidade de D. Dimas, tentou-se resgatar as discussões e a dinâmicas dos “DNJs” anteriores, claro, até 1995.
Com essa “blindagem” da Arquidiocese às determinações nacionais dos encontros da PJ, as informações relevantes ao desenvolvimento, crescimento e amadurecimento da pastoral, principalmente na formação de lideranças, não chegam até os grupos de base.
Como gestar essas novas demandas, pois até os bispos da CNBB reconhecem que “eles mesmos estão distantes da juventude e ainda não sabem como ‘chegar’ e comunicar a essa grupo importante e significativo em nossa sociedade.
Muitos jovens que participam das instâncias religiosas, em particular a Igreja Católica, nosso destaque, se voltam para uma religiosidade muito mais individualista e pouco engajada e comprometida com os que mais sofrem. O fenômeno Canção Nova é responsável pela divulgação desses valores, pois tem explorado com muita intensidade os meios de comunicação social e sua repercussão dá a entender à sociedade ser este o modelo único a ser seguido e que não há espaço para qualquer outra manifestação que pense diferente, homogeneizar tudo ao máximo, não relacionar assuntos que dizem respeito à política, principal alvo de críticas destes movimentos às ações da Igreja, em especial nas décadas de 1970 e 1980 e que o fenômeno da chamada “Teologia da Prosperidade” lança a ideia de que, cada vez mais, a busca pelo bem estar pessoal e que, em meio ao processo de globalização pelo qual o mundo presencia, e estes jovens buscando a inclusão no mesmo, principalmente através do mercado de trabalho, pois a expectativa é a de que nem todos os jovens sejam aproveitados nesse contexto.
Enfim, o empenho atualmente é criar mais espaços para que os jovens manifestem suas características, seus anseios, e que a cultura pode ser esse meio pelo qual tanto temos dificuldades de compreender, em especial às manifestações predominantes nas comunidades menos favorecidas de nosso país.

Programa Fé e Política - 08 de janeiro de 2011

O primeiro do ano, trouxe como destaque uma repassada nos 8 anos de Governo Lula e algumas pistas para reflexão de quais serão os desafios apontados para a presidente Dilma Roussef.
Para este encontro, fora convidado o jornalista e produtor do programa Boca Livre, que vai ao ar de 2ª a 6ª das 13h às 14h pela Rádio Tropical AM 830, Henrique Acher.
Como início de conversa, o participante, comenta que uma das realizações de Lula foi a inclusão da população chamada de Classe C pelos institutos de pesquisa, que estava à margem do mercado consumidor, por meio de programas sociais, como o Bolsa Família, o PROUNI, entre outros.
O jornalista Henrique Acher destaca também que, apesar dessa inclusão de mais de 40 milhões de brasileiros no mercado consumidor, ainda está longe de acontecer uma reviravolta na questão da divisão da renda, pois o orçamento da União está comprometido em 1/3 de seu total para amortização de juros de dívidas (interna e externa), como também a dívida pública. Não colocou para a votação de temas como as Reformas Tributária e Política, devidos às pressões exercidas principalmente pela chamada força de coalizão, liderada pelo PMDB, que deu sustentação a seu governo.
Ele destaca também, o pouco diálogo de Lula com a sociedade civil, em particular os movimentos sociais, que sempre foram sua base de apoio em inúmeras eleições que disputou, e pelo fato de o próprio presidente ser oriundo desses movimentos, e se pôs muitas vezes num diálogo mais franco e aberto com as classes mandatárias, principalmente das chamadas famílias que concentram grande parte das terras no país.
Devido à impossibilidade do entrevistado em continuar, pois não foi possível novo contato telefônico, a equipe trouxe à tona a questão PMBD, que em nosso Estado e cidade ficou muito clara a aliança nas três esferas (federal, estadual e municipal) encabeçada pelo governador Sérgio Cabral Filho e o prefeito Eduardo Paes, o que atou a própria autonomia do PT regional, que, ao invés de caminhar com as próprias pernas, se vê no dever de fidelidade a tais acordos.
Como conclusão do debate, a mesa coloca como três questões fundamentais para que o governo Dilma possa realmente, como ficou muito claro em seu discurso de posse, a erradicação da miséria no Brasil que passa pelas questões: de uma reforma agrária efetiva, que resolveria o problema do inchaço populacional e o desemprego nas grandes cidades, a democratização dos meios de comunicação, para que os profissionais possam trabalhar com isenção e que a própria sociedade organizada tenha acesso à informação e na transmissão da mesma e, por fim, um sistema financeiro com maior controle e menos oneroso aos bolsos do simples contribuinte, que é atingido com inúmeras tarifas e juros altíssimos praticadas por essas instituições.

Educação pública e de qualidade para todos

Yes, we can to changer the world.

sábado, 2 de abril de 2011

A intolerância Religiosa e Cultural: uma afronta à democracia

Por André Barroso

No dia 30 de março, autoridades políticas e religiosas e lideranças dos movimentos sociais organizados se reuniram, na sede do Conselho Espírita do Estado do Rio de Janeiro (CEERJ), para comemorar os três anos da criação da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR).
Foi um ato significativo pelo papel que a comissão vem cumprindo na defesa constitucional da liberdade de expressão, que passa pela de culto e de organização. Mas o ato não ficou somente na comemoração, tendo em vista as declarações racistas e homofóbicas do deputado federal Jair Bolsonaro. O ato repudiou publicamente tais falas, apontando que medidas fossem tomadas na esfera federal contra o que entendemos ser uma atitude contrária aos ideais de uma sociedade democrática e que tem a diversidade em sua constituição e origem. 

Dentre as participações, vale destacar a fala da chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Marta Rocha, que lembrou da importância do trabalho da CCIR ao ponto de propor sua expansão para que todos as delegacias do Estado tenham conhecimento do trabalho e, assim, possam atuar de forma plena nas questões relacionadas à intolerância religiosa e discriminação de qualquer tipo. Segundo ela, seu sonho é que toda vítima sempre possa ser bem atendida nas delegacias do Rio, o que não significa que não se devam constituir delegacias especializadas. 

Por fim, o ato marcou o início da mobilização para a 4ª Caminhada pela Liberdade Religiosa, que será em 18 de setembro. O objetivo é superar os 120  mil fiéis que marcharam em 2010, num ato de diversidade e respeito aos diferentes.
Junto ao Tribunal de Justiça, Ministério Público e da Polícia Civil, foi firmado um acordo para a realização do II Seminário em Defesa da Liberdade Religiosa: Liberdade Religiosa e Democracia.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Golpe Militar de 1964: um dia para ser esquecido


Reproduzo artigo de Nilmário Miranda, publicado no sítio da Carta Maior:

Eu não tinha 17 anos quando veio o golpe, destruindo meus sonhos das grandes reformas de base. Morava na então pequena Teófilo Otoni (MG). Os ferroviários da lendária Estação de Ferro Bahia-Minas cruzaram os braços. Foi o único e solitário protesto (no ano seguinte a EFBM foi extinta).

Em poucos dias nada menos que 74 pessoas foram presas pelos “revolucionários” e levados ao QG dos golpistas em Governador Valadares. Ferrovias, comerciários, bancários, estudantes, militantes da Igreja, do Partidão, do PTB, pequenos comerciantes – dentre eles meu pai, uma pessoa pacata, educada, incapaz de fazer mal a ninguém, uma alma gentil.

Chocou-me também a prisão de Dr. Petrônio Mendes de Souza, ex-prefeito, médico dos pobres, figura hierática. Lá pelos dias encontrei-me com o filho do ferroviário Nestor Medina, carismático, inteligente, autodidata, homem de grande dignidade. Desde aquela noite fiz juras de por todos os dias enquanto durasse, combateria a ditadura, o que realmente aconteceu.
No ano seguinte mudei para Belo Horizonte para estudar e participar da resistência. 1968 foi o ano do crescimento da oposição à ditadura. A Marcha dos Cem Mil no Rio; as duas greves (Contagem e Osasco) desafiando a rigorosa legislação anti operária; a fermentação no meio cultural; a Frente Ampla que uniu o impensável (a UDN de Carlos Lacerda, o PSD de JK, o PTB de Jango); as primeiras ações da resistência armada. A recusa da Câmara de conceder a licença para processar Márcio Moreira Alves foi um pretexto para a edição do AI-5 em 13 de dezembro, instituindo o Terror de Estado.

Eu respondia a processo pelo LSN depois da prisão por 32 dias após a greve de Contagem; vi-me em um dilema: sair do país, para o exílio; ou cair na clandestinidade. Estudava Ciências Econômicas na UFMG. Optei pela resistência na clandestinidade, aos 21 anos. Todas as portas foram fechadas; os espaços para a oposição foram extintos.

Desde as prisões em Ibiúna de mais de 700 estudantes de todo o país, as odiosas listas negras para os trabalhadores rebeldes, a “aposentadoria” forçada de três ministros do STF como recado para amordaçar a Justiça, a censura prévia na imprensa, o fim do habeas corpus. A polícia política tinha dez dias de prazo para apresentar o detido ao juiz militar, e a criação de centros de detenção e tortura na prática era a institucionalização da tortura.

Passar à resistência clandestina era a opção de colocar a própria integridade física em risco. Mas essa foi a opção de milhares de brasileiros. Nada menos que 479 pessoas foram eliminadas, 163 das quais se tornaram desaparecidos políticos.

Denominar a ditadura de “ditabranda” é piada de péssimo gosto. Pior ainda é a insistência de alguns comandos militares de comemorar o 31 de março como uma “revolução democrática”, em desafio à cúpula militar que retirou esta data do calendário de efemérides.

Aprovar e instalar a Comissão Nacional da Verdade, confiando à sete pessoas idôneas, probas e éticas a tarefa de passar os 21 anos da ditadura à limpo dá uma interpretação fiel ao que se passou no país para constar dos livros e currículos escolares, inclusive das academias militares. É mais uma grande e importante etapa na construção de nossa democracia, incorporando o direito à verdade.

(*) Nilmário Miranda é jornalista, Presidente da Fundação Perseu Abramo, ex-Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) [e membro do conselho consultivo do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé].