Edifício com 140 anos a arder em Croydon, Londres, no terceiro dia de tumultos
Especialistas e jornalistas britânicos estão a tentar encontrar explicações para a onda de violência de que o país foi palco nos últimos dias. As teorias sobre as possíveis causas do fenómeno vão da decadência moral ao consumismo excessivo, passando, entre outras, pelo racismo, pela exclusão social, pela falta de um modelo masculino na família, cortes nos gastos e fraco policiamento.
David Wilson, professor de criminologia da Birmingham City University, afirma que existe "uma cultura de merecimento na Grã-Bretanha" que, segundo ele, "não se limita à classe baixa, sendo comum entre os políticos, os banqueiros, os jogadores de futebol".
"Não é uma classe em particular apenas, permeia todas as camadas da sociedade. Quando vemos políticos a pedirem TV de plasma e a serem detidos por fraudarem as despesas, fica claro que os jovens de todas as classes sociais estão sem uma liderança apropriada", disse.
Exclusão social
Para Camila Batmanghelidj, a questão da exclusão social não explica tudo mas é importante e deve ser considerada. Num artigo publicado no jornal "The Independent", a fundadora da organização de soliedariedade Kids Company escreveu que existe uma perceção de que a comunidade europeia não dá nada à população.
"...Não se trata de ataque ocasional contra a dignidade. É a humilhação repetida, ser continuamente desprovido numa sociedade rica", acrescentou.
De acordo com Marian FitzGerald, professora convidada de criminologia na Univrsidade de Kent, a exclusão social pode ser um fator, mas "os excluídos sociais nem sempre são os que causam os distúrbios. Na verdade, geralmente eles até são os mais vulneráveis aos tumultos. Precisamos de uma abordagem mais aprofundada, ao invés de apenas usar a exclusão social como desculpa".
Cortes do Governo
O candidato do Partido Trabalhista à Câmara Municipal de Londres, por sua vez, sugeriu em entrevista à BBC que as medidas de austeridade do Governo são as verdadeiras responsáveis pelos distúrbios. "Se o Governo está a fazer cortes na área da segurança, há sempre margem para este tipo de revolta", afirmou Ken Livingstone.
Mas, na opinião da professora Marian FitzGerald, ainda é muito cedo para estabelecer esse tipo de relação. Isto porque "os cortes que vão ter maior impacto nessa área ainda não estão totalmente executados e só serão sentidos no próximo ano".
"No entanto", admitiu, "pode ser que, devido à muita informação sobre a falta de meios da polícia, os causadores dos tumultos tenham assimilado que a probabilidade de detenção seria pequena".
Um editorial do tablóide "The Sun" considerou "loucura" o facto de os canhões de água não terem sido disponibilizados à polícia, acrescentando que "o Parlamento não deve ser sensível" ao uso de gás lacrimogéneo e munição não-letal.
Policiamento e cultura do rap
Foi também discutido o impacto das críticas à resposta da polícia aos protestos durante a reunião do G20 em Londres, em 2009, quando alguns comentaristas sugeriram que a polícia teve medo de enfrentar os saqueadores diretamente por recear processos na justiça.
O professor David Wilson defende que se os saqueadores tivessem encontrado uma patrulha policial mais forte, isso podia ter feito a diferença. "Vários deles que foram entrevistados admitiram claramente gostar do sentimento de poder. Foram estimulados a sentir que as cidades lhes pertencem", disse. No entanto, não acho que a questão esteja relacionada com a falta de policiamento correto. O que tem caracterizado a Justiça britânica nos últimos 25 ou 30 anos é o grande número de jovens que são mandados para a prisão, em comparação com os nossos vizinhos europeus".
O jornalista britânico Paul Routledge culpou a cultura do rap pela onda de violência e pelos protestos que tiveram lugar no Reino Unido nos últimos dias.
Num artigo publicado no "Daily Mirror", Routledge escreveu que a "cultura perniciosa do ódio à volta da música rap" é a fonte dos problemas no país, afirmando que este estilo de música "glorifica a violência e o ataque à autoridade (especialmente a polícia, mas inclui os pais), exalta o materialismo e delira sobre as drogas".
"As coisas importantes na vida são o último smartphone, os ténis, as calças da moda e jogos de computador idiotas. Não admira que as lojas que os vendem sejam os alvos principais", acrescentou, pedindo, por fim, que o "rap venenoso" seja banido.
Os comentários do jornalista britânico provocaram a reação imediata do rapper Professor Green, no Twitter: "Paul Routlege é completamente burro. Isso, banam o rap, silenciem as nossas vozes ainda mais. Estúpido ignorante! Aceitar responsabilidades? Nem a minha música nem a dos meus pares tem culpa da sociedade e dos seus defeitos. Não fomos nós que criámos os estratos sociais".
Consumismo...
A colunista e jornalista Zoe Williams, referindo-se às mercadorias apreendidas pela polícia depois dos distúrbios, afirmou ao jornal "The Guardian" que os saques aos centros comerciais foram caracterizados pelas escolhas dos consumidores.
"Isto é o que acontece quando as pessoas não têm nada, quando as coisas que não podem pagar são constantemente "esfregadas na sua cara" sem que tenham motivo para acreditar que alguma vez na vida as vão poder adquirir", disse.
A professora Marian FitzGerald disse que em estudos sobre crimes urbanos este é um fator a ter em conta.
Nos distúrbios recentes, além de roupas, ténis e telemóveis, foram também roubadas latas de cerveja e doces.
... oportunismo
Há também quem defenda a teoria do oportunismo, como escreveu Carolina Bracken no jornal "The Irish Times": "Enquanto mais e mais pessoas se iam envolvendo nos distúrbios, outras tentaram juntar-se-lhes, confiantes de que num mar de gente poucas são as probabilidade de se ser detido ou responsabilizado".
Opinião semelhante tem a professora FitzGerald, para quem "oportunismo misturado com o sentimento de se fazer parte de um grande gangue poderão ter estimulado (a participar) quem normalmente nunca o faria".
"Também é significativo o sentimento de invulnerabilidade por fazer parte de algo tão grandioso. E ainda apela ao sentimento de transgressão e de poder numa sociedade e numa cultura em que esse poder quase não existe", disse.
...ou racismo
A violência em Londres começou no bairro de Tottenham, no passado sábado, depois de ter sido morto pela polícia um negro de 29 anos, Mark Duggan.
Christina Paterson, do jornal "The Independent", defende que a questão do racismo não pode ser negligenciada. "Muitos negros foram mortos pela polícia britãnica. Muitos homens e mulheres foram tratados como criminosos quando o não eram. Não será esta a única causa dos distúrbios, mas está lá à mistura", disse.
A professora Marian FitzGerald minimiza a questão, afirmando que as mortes nas mãos da polícia britânica são muito raras. "Segundo relatórios do IPCC (comissão que observa o trabalho policial), nos últimos três anos ocorreram apenas sete, e todas de pessoas brancas", disse.
E continua: "A Polícia Metropolitana de Londres (
Met police) passou por grandes mudanças de atitude desde a publicação do
"Macpherson report" , em 1999, sobre as relações entre as comunidades das minorias étnicas e a
Met police. Sir William Macpherson - que acompanhou as investigações da polícia sobre a morte do estudante Stephen Lawrence, de 18 anos - disse então na sua intervanção que o abuso por parte da polícia do poder de detenção levou a que jovens negros responsáveis e cumpridores da lei entrassem em confrontos com as autoridades.
Ausência do pai
Outra causa apontada para os distúrbios em Inglaterra foi a falta de um modelo masculino nas famílias monoparentais, como observou Cristina Odone, do jornal "Daily Telegraph": "Como a esmagadora maioria dos jovens criminosos presos, os membros dos gangues têm uma coisa em comum: não há um pai nas suas casas".
Opinião diferente tem Marian FitzGerald, que afirmou ter criado dois filhos sozinha. "É verdade que existem algumas questões sobre onde os rapazes vão buscar o sentido positivo da masculinidade quando não têm em casa o pai para dar o exemplo. No entanto, se se trata de uma família estável, então as crianças podem, ainda assim, ser bem-sucedidas", disse.
Nenhum comentário:
Postar um comentário