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sábado, 26 de fevereiro de 2011

É possível modificar a situação do crime e da violência no Rio de Janeiro?

Seropédica, 23/2/2011.
José Cláudio Souza Alves
UFRRJ


Freqüentemente sou criticado pelo meu pessimismo quanto à questão da violência, no Rio de Janeiro e de forma geral. Foi assim, que ao longo do tempo, fui reconhecendo que o pessimismo metodológico que uso é de fato complicado.

Utilizo este pessimismo como uma forma de antídoto. Com ele evito as soluções simplistas. Como aquela prática dominante nos meios de comunicação, que sempre fecham uma matéria ruim com um exemplo de esperança, uma espécie de pílula tranqüilizante. Como mencionavam os generais da ditadura, ao elogiar o telejornalismo da época. Para mim, enquanto estamos caindo dentro do poço, não há condições de pensar em saída. Somente chegando ao fundo é que se pode avaliar quais as possibilidades reais. Apenas depois de um diagnóstico mais preciso da realidade é que podemos pensar em ações que consigam alterar de fato o quadro.

Ao longo dos meus estudos, observações, militância, debate público e convivência em relação à violência, consegui desenvolver uma abordagem pouco comum entre aqueles que se dedicam ao tema. Logo, não posso tratar de saídas ignorando estas raízes que me sustentam.

Falo de uma estrutura criminosa que é a grande herança maldita da ditadura militar que, há pelo menos 47 anos, vem funcionando e se aprimorando e que nunca sofreu uma alteração significativa quanto à redução ou controle social.

Diferente de outras áreas, nas quais a ditadura deixou seu legado, mas que por intermédio das lutas populares, dos movimentos sociais e da mobilização política, conseguiu-se obter conquistas favoráveis à população, sem ignorar as imensas contradições nesta disputa, a segurança pública se mantêm praticamente intocável com sua impermeabilidade às demandas sociais, ao diálogo público e ao controle por parte daqueles que são atingidos por ela.

Se eu seguir, porém, por este caminho, isto é, vincular saídas para o problema da violência à alteração da estrutura de segurança pública eu incorreria em um dos principais mitos construídos em torno da questão, o de achar que uma reestruturação do aparato policial, seu melhoramento administrativo, informacional, técnico, tecnológico, educacional, ético, pedagógico etc, seria o caminho mestre para a solução. Esta foi a principal cilada que atingiu Luis Eduardo Soares e, antes dele, Hélio Luz.

No caso de Hélio Luz, quando em 1991 foi convidado pelo vice-governador, Nilo Batista a assumir a chefia da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense, condicionou a aceitação a ter carta branca para mudar os 12 delegados da Baixada. Condição aceita trocou os referidos delegados e consegui, naquele ano, uma redução de 500 homicídios, aproximadamente 25% do número de assassinatos da Baixada. Mas se ele conseguiu um feito jamais alcançado por qualquer outro delegado no Rio de Janeiro, por que foi retirado de lá em 1992? Hélio Luz não tinha dúvida, quanto a sua saída. Sabia que em ano eleitoral as coisas mudariam. Em 1992, a máquina tinha de funcionar para acomodar os interesses eleitorais e políticos em jogo. Com cargo e conjuntura deferentes, Luiz Eduardo Soares sofreu das mesmas interferências, no governo Garotinho, que resultaram na sua saída.

O que estes fatos sinalizam é que o aparato policial não é uma ilha. Apesar de ser fechado para determinadas interferências e determinados segmentos sociais, ele opera de acordo com interesses políticos, econômicos, sociais etc, que se encontram fora dele, mas o controlam.

Por exemplo, um candidato a vereador ou deputado estadual reforça seus laços com matadores, traficantes ou milicianos transformando-os no núcleo de sua ação política em uma favela ou bairro periférico. Garante aos seus eleitores que manterá esta estrutura de controle social, a fim de preservar a tranqüilidade e a paz naquela comunidade. Eleito, fará aproximações junto ao grupo político dominante, no governo do estado, a fim de preservar seu acordo e, em troca, fornecer sua base eleitoral e seus serviços políticos na Câmara de Vereadores ou na Alerj, para sustentar o governo.

A transformação da crise atual da polícia na grande discussão sobre a solução para o problema do crime e da violência, no Rio de Janeiro, segue esta tendência institucional, ignorando a complexidade da questão. Reforçando a lógica burocrático-militarista que hegemoniza o debate público e midiático.

Se quisermos de fato buscar saídas, não temos outra escolha a não ser a da complexidade. Não há uma solução isolada, mágica, localizada em um único tema ou ponto do problema. Isto que estou mencionando não é novidade e encontra-se no Plano Nacional de Segurança Pública, que o governo Lula recebeu no início do seu primeiro mandato, feito com participação de militantes, movimentos organizados e intelectuais. Infelizmente, jamais implantado.

Neste caso, a dimensão policial é relacionada a várias outras dimensões e termina relativizada, abrindo-se para as diferentes faces do problema e suas inter-relações.

Ações em diferentes políticas públicas estariam articuladas. Deste modo, por ordem de prioridade, a permanência dos jovens nas escolas com atividades sócio-culturais, o acompanhamento psicológico, a assistência social, o acesso aos meios de transporte, um programa de renda e emprego, a urbanização das comunidades, a construção de equipamentos de saúde e cultura e, por último, a qualificação da polícia estariam organizados de modo a alterar a realidade geradora da violência e afetar de forma efetiva os mecanismos que nos transformaram no maior campo de concentração sem arame farpado do mundo, com milhares de pessoas assassinadas por ano.

Estas soluções, contudo, ainda se encontram numa esfera de poder público e, portanto, dependentes de vontade política para serem implantadas. Continuamos, assim, presos à dimensão interna do aparelho estatal e dos grupos dominantes que o controlam.

Esta articulação de políticas públicas pode ser uma meta, mas seria dificilmente alcançada numa conjuntura em que grupos políticos e o grande capital se mobilizam a fim de extrair o super-lucro, econômico e político, do projeto urbano-industrial hegemônico no Estado do Rio de Janeiro.

Projetos como o arco-metropolitano que soterra sítios arqueológicos, como o de Japeri; o porto de Itaguaí, com as águas da baia de Sepetiba privatizadas por cada empresa ali instalada; a CSA matando moradores, plantas, peixes e solo com sua limalha em nuvens de poeira de ferro; o Comperj, a nova refinaria de petróleo em Itaboraí, com sua poluição atmosférica e a enorme demanda sobre os recursos hídricos da Serra dos Órgãos; o aterro sanitário da empresa Ciclus/Hastec/SA Paulista e a contaminação do aqüífero Piranema, em Seropédica, autorizado pelo INEA, órgão do Estado responsável pelo licenciamento ambiental; a nova subida da serra de Petrópolis, da Concer, com seus mais de 20 quilômetros de túneis e suas chaminés de monóxido no meio da mata e a liquidação econômica das famílias que vivem da venda de produtos na atual estrada de subida etc, o Porto Maravilha com seus projetos imobiliários de milhões de reais, reincorporação urbana para o capital financeiro e grandes empreiteiras, e a consequente expulsão da população pobre, não nos permitem pensar em nenhuma conjuntura favorável a investimentos em políticas públicas voltadas para a superação da violência, de uma forma mais efetiva.

Voltamos, de novo, a estaca zero. Temos de pensar movimentos possíveis, mesmo que pequenos e insignificantes, diante da macro-dimensão do problema. Algo numa dimensão mais intermediária e mesmo primária, quando comparada à estrutura política. Penso então em ações educativas, formativas nos diferentes espaços organizativos: escolas, sindicatos, movimentos sociais, ongs, por exemplo, que promovam a ampliação destas reflexões. Que se propunham a construir uma cultura diferente daquela do “bandido bom é bandido morto”, da aceitação da execução sumária como saída, da segregação de áreas pobres.

Um movimento que quebre o isolamento segregacional, a partir do fluxo de pessoas e ações entre as favelas/comunidades e resto da sociedade. Não na dimensão subordinada, clientelista e mantenedora do controle político, mas na formação de novas visões, na identificação da cooptação, na resistência e insubordinação, na criatividade de novas formas de aproximações sociais .

A construção de outra subjetividade, que de voz e rosto ao criminoso hoje trucidado e banalizado. Que mergulhe na compreensão de quem é este hoje executado e sua história. A veiculação de uma cultura que em todas as suas formas: musicais, cênicas, áudio-visuais resista à criminalização do pobre e sua execução pelo grupo dominante. A contra-hegemonia de uma cultura que supere o preconceito e o medo, que negue a raiva e a violência como resposta legitimadas.

O que tentei mostrar aqui não são saídas. Apenas problematizei a busca delas. Operações que prendam policiais criminosos, a formação e qualificação polícia, o aperfeiçoamento do aparelho judiciário só serão eficientes quando articulados a modificações políticas e econômicas que afetem os interesses dominantes, que controlam as políticas de segurança. As políticas públicas voltadas para a questão da redução da violência precisam ser articuladas e não transformarem o aparato policial em instrumento principal, como as UPPs e a policização das políticas sociais nas comunidades ocupadas. Nada disto adianta sem uma alteração intermediária dos fluxos espaciais entre diferentes segmentos sociais, a solidariedade com os mais vitimizados, a criação de uma subjetividade que se coloque no lugar do mais pobre e criminalizado, que seja capaz de ouvi-lo e entender sua linguagem. Enfim, um movimento microfísico e capilar que altere de forma profunda a percepção que temos dos estratos sociais que tememos que nos sejam apresentados como os inimigos número um da sociedade.

A partir destes passos articulados podemos falar de uma contracultura, em movimentos de resistência, em práticas formativas, políticas e relacionais que pensem representações políticas, políticas públicas, projetos de cidade e de economia outros que não os que hoje nos impõe este padrão de violência.

Isto não significa secundarizar a luta política mais ampla e horizontalizar as saídas através da dimensão cultural e subjetiva. Numa conjuntura desfavorável é preciso acumular forças. É preciso construir massa reflexiva e articulá-la a projetos políticos, capazes de estabelecer compromissos mais sólidos. Não há conjuntura revolucionária, nem tão pouco estamos nas catacumbas do Império Romano, como os cristãos que alimentavam os leões no Coliseu. Acredito em um processo lento, complexo, com visibilidades ora expressivas ora contraditórias que aproximando à macro e a micro estrutura política e econômica permitam modificações favoráveis a projetos de transformação e rupturas sociais capazes de devolver a todos nós o senso de solidariedade, igualdade e justiça. A possibilidade de sermos um País. De não ter a bandeira brasileira como um mero trapo, enfincada na colina, a lembrar-nos que os mais pobres e segregados estarão sempre fora das possibilidades da assim chamada sociedade de direitos. Este mais avançado estágio da humanidade, que nos querem fazer crer que é o melhor. 
 

Um comentário:

  1. Meu amigo, não vi aqui uma posição que nos leve a entender uma saída para a questão da segurança no Rio nem no país.
    Percebo o indicativo para ação no micro cosmo da restruturação do acumulo de forças, inclusive no campo teórico. Concordo com o pessimismo natural do próprio espaço. Principalmente quanto ao fator histórico citado. 47 anos. Perfeita a colocação.
    Termino afirmando que dentro do modelo capitalista não tem solução.

    Saúdo-os(as). Luta. Paz e Pão, Alex Prado.

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