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domingo, 10 de abril de 2011

A tragédia em Realengo e algumas considerações

* Alberto José Patricio Pereira

            Por mim, não comentaria mais nada a respeito dos últimos acontecimentos envolvendo o massacre ocorrido na Escola Municipal Tasso Fragoso da Silveira, em Realengo, no qual foram vitimadas fatalmente 12 crianças e algumas estão internadas, sob a arma de um jovem que sofria de alguns danos de ordem psicológica. Mas, como não vivo sozinho e isolado neste mundo e meu ofício não me condiciona a ter tal privilégio, tentarei esboçar algumas questões. Não pretendo aqui fazer uma análise mais ampla mas, pelo menos, que estas linhas possam fomentar e acrescentar para um debate mais sério sobre a questão.
            Primeiro, parabenizando a declaração do Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani Tempesta que, tomando conhecimento de tal fato, dirigiu-se ao local, declarando sua solidariedade às famílias em seus momentos de dor, e ainda afirmando sobre os valores que pautam a sociedade na atualidade, afirmando que “O que vimos, ouvimos e presenciamos deve nos levar a refletir sobre os valores que aprendemos e trazemos no coração, e é também um desafio para trabalhar mais e melhor pelo bem, pela fraternidade e pela paz”.
            Mas, não é isso exatamente o principal foco que quero abordar. O destaque está relacionado aos órgãos responsáveis pela informação: a nossa querida imprensa. Já é fato consumado que, quando de acontecidos de grande comoção, ela faz um papel fundamental de manter em dia quaisquer informações que sejam relevantes. Mas o mais assustador e impressionante é a capacidade de quase interferir na vida das pessoas: não respeitando o luto das famílias, preocupados somente com os show de imagem que proporcionam e impressionam. Mais ainda: deplorável o fato de “montarem plantão” na porta da casa do atirador, o jovem Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, mexendo diretamente com a vida dessas famílias e, mais ainda, pondo em risco sua segurança, já que não podem circular livremente, pois a imprensa é a primeira a gritar em favor da liberdade de expressão e do ir e vir, nesse caso, está fazendo exatamente o contrário, ao expor de forma direta tal situação incita, no inconsciente das pessoas, já tão massificadas por atos violentos em seu dia a dia, o sentimento de revolta e indignação, demonstrado neste último fim de semana quando algumas pessoas depredaram e pixaram a casa dos familiares de Wellington. Sem contar que, se os parentes de Wellington não forem ao Instituto Médico Legal para iniciar o processo de liberação do cadáver para sepultamento, este será enterrado como indigente.
            Como mostra o Documento da CNBB nº 47 Educação, Igreja e Sociedade, nos faz refletir qual é o verdadeiro papel deste instrumento importante e também qual deve ser o nosso comportamento, enquanto telespectador e interlocutor: “(...) não se pode pensar a sociedade moderna sem a atuação dos meios de comunicação. Constituem em si um elemento positivo para a difusão de conhecimento, lazer e convivência de pessoas, grupos e culturas. (...) Há nesse campo algumas experiências positivas, mas prevalece a ausência da consciência crítica. Sem menor respeito ao ambiente em que vivem e às condições econômico-sociais, as pessoas são levadas a cópias e imitação da linguagem, dos comportamentos e modismos difundidos pelos meios de comunicação. Chega-se, assim, por vezes, à destruição da vivência familiar e dos valores éticos, sociais e religiosos, uma vez que os interesses econômicos passam a ditar as mensagens.”
            Dessa maneira, a desgraça alheia se torna o grande espetáculo, quando os ingratos aparelhos de TV estão instalados em todos os lugares. Não se pode fazer mais uma refeição com tranquilidade, porque você é logo bombardeado com flashes sobre os acontecimentos que, se os locais tivessem um pouco mais de respeito, nem veiculariam determinadas notícias em horário de almoço, que se exige um ritual de solenidade e concentração, sem contar que, a todo instante, somos invadidos em nossa privacidade, pois não é só simplesmente desligar os aparelhos, pois, se sai às ruas, tem sempre alguém que falará alguma coisa do acontecido, com base do que viu na TV. Conclusão: os aparelhos nos invadem 24 horas por dia ininterruptamente.
            Mas, o que quero destacar foi uma das faixas que não precisei seus dizeres, mas alertando os governantes para o “até quando assistiremos a cenas de tanta violência, até quando os cidadãos se sentirão inseguros na cidade.” O fato acontecido pode ser considerado como quase inédito no Brasil, com exceção do que aconteceu num cinema em São Paulo, onde um jovem entrou num cinema e, com uma metralhadora, atingiu e matou 4 pessoas. Comuns são os casos em que são constatados casos de insanidade mental e desvios de comportamento, e que pouco se faz para que essas pessoas tenham um tratamento adequado às suas necessidades, sem contar também que o jovem Wellington sofria muito com as “brincadeiras” realizadas por colegas, que em depoimentos de pessoas que estudaram com ele, dizendo ser ele uma pessoa “esquisita e de  hábitos estranhos. O rapaz era vítima de chamado bullying, em que a pessoa é constantemente hostilizada e constrangida por colegas de sala de aula e, em alguns casos sofre constrangimentos até por parte dos professores. A reação da vítima pode não ser imediata ante essas agressões, mas, ao longo da vida, ela vai introjetando em sua mente uma série de traumas sofridos e, um dia, ter a possibilidade de externar sua revolta contra tudo que sofreu e, no seu inconsciente, a escola tornou-se a referência do lugar onde ele passava os piores momentos da sua vida, lembrando os calabouços dos castelos medievais, as câmaras de gás dos campos de concentração para judeus durante a Segunda Guerra Mundial e, na história mais recente, nos quartéis de delegacias que serviram de pontos de torturas a presos políticos durante a ditadura militar.
            Assim, as autoridades se mostram muito consternadas com tal acontecido, buscando dar respostas imediatas a coisas que deveriam ter o maior cuidado em priorizar como ações eficazes para melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, como na educação e na segurança pública; e o povo, por sua vez, calejado com tal situação, quer “pagar pra ver”.
            No nível dos direitos humanos, tão criticado por determinadas autoridades, programas televisivos e que torna também a voz do senso comum, então nós, cristãos comprometidos com as causas sociais, e que não podemos “nos calar diante da morte”, em conformação com o anúncio da Boa Nova de Cristo, somos a favor da vida e, quando em protesto as pessoas exibem faixas exigindo maiores atitudes dos governos constituídos, nos impulsiona a não somente nos solidarizar com as famílias que sentem a grande dor da perda de suas pessoas queridas, mas de criar alternativas de ação para que, juntos possamos construir um mundo mais fraterno e menos violento para todas e todos nós e, isso só terá eficácia se essas atitudes de mudança começaram a partir de nossa própria casa que, nas estatísticas atuais, mostram que os maiores casos de violência são constatados no seio das famílias.


* Professor de Sociologia da Rede Estadual de Ensino do Rio de Janeiro
* Estudante de Filosofia pela Universidade Rural do Rio de Janeiro
* Integrante e produtor do Programa Fé e Política
* Leigo atuante nas Pastorais Sociais da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro

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