Visualizações de páginas da semana passada

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Educação para inglês ver

A primeira impressão é a de que muitos pensam que os professores não podem reclamar do salário porque trabalham um número limitado de horas por semana. Isto é falso, pois não só é comum docentes que se desdobram em três turnos, como as atividades em sala de aula acabam por ser demais intensas. Quem não acredita, procure checar a quantidade absurda de licenças médicas por problemas de bursite, calo na garganta, ou problemas psicológicos que acometem docentes com mais de dez, quinze anos de serviço no Estado.

Mas o principal é que não se está cá numa disputa para saber quem trabalha mais horas por semana. Até porque quem vai ganhar é o cara que mora no sertão do nordeste perdendo toda a saúde em jornadas de 16 horas por dia em canaviais, e com remuneração de meio salário mínimo por mês.

O que se está a exigir é uma remuneração justa frente a jornada de trabalho. Se fulano trabalha dez horas por semana, que ganhe o que for justo por esta jornada. Se trabalha 60 h, idem.

Deixe-me dar os números exatos: um professor docente I do Estado do Rio recebe pouco mais de R$ 680 reais por uma matrícula de 16 horas semanais de trabalho. Destas 16 horas, doze devem ser passadas dentro de sala de aula, e o quarto restante em planejamento. A lei não permite que um docente tenha mais do que duas matrículas públicas. Mas para fins de argumentação, imaginemos que nosso professor pudesse ter três matrículas no Estado, perfazendo uma jornada de 48 horas semanais. Seus vencimentos líquidos seriam então de pouco mais de R$ 2040 reais. Se tivesse já dez anos de serviço público, com o plano de carreira da Secretaria de Educação e outras gratificações do funcionário estaturário, sua remuneração chegaria a cerca de R$ 3.000 reais por mês. Remuneração justa?

A situação pode parecer ruim, mas é na verdade ainda pior. O salário base do Estado do Rio de Janeiro é o mais baixo das 27 unidades da Federação do país. Sim, ganha-se nominalmente mais dando aulas no Acre, Rio Grande do Norte, Sergipe, Rondônia...Se alguém concluiu que o caso é terminal, ainda não pensou direito: o custo de vida do nosso Estado é um dos cinco maiores de Pindorama.

Qual a justificativa para que a segunda maior economia do Brasil, que está entre os 5 maiores custos de vida e IDHs nacionais, pague o pior salário das unidades da federação para seus profissionais de educação?

Quando analisamos a situação da região metropolitana do Rio de Janeiro o quadro se torna ainda mais aterrador: o município do Rio paga, pela mesma jornada de trabalho, o dobro do que o Estado. O município de Nova Iguaçu paga 120% mais. O de Duque de Caxias 150% mais. 

Uma das consequências desta discrepância é a contínua sangria no quadro de funcionários da Secretaria Estadual de Educação. Na maior parte das vezes, quando o professor não aguenta mais, sai do Estado para dar aulas em algum dos municípios do Grande Rio. Mais de 20 professores pedem exoneração do Estado POR DIA. [Eu mesmo já deixei duas matrículas, uma para entrar na prefeitura do Rio e outra para trabalhar no sistema prisional.] 

E isto desmonta o último dos argumentos contra a greve, o do apelo emocional por causa dos alunos momentaneamente sem aula. Pous ainda que o ano letivo caminhe normalmente, sem interrupções, sem paralisações ou similares, o aluno acaba por ficar sem aula de várias disciplinas por simples e pura falta de professores. O sujeito vai pra escola todos os dias, mas lá não há professores de matemática, o professor de física saiu no meio do ano, e desde o ano passado não há aulas de química. O indivíduo sofre esta carência desde o ensino fundamental -- o Estado supre as necessidades de muitos municípios no ensino fundamental, inclusive os de algumas prefeituras mais ricas, como é o caso de Nova Iguaçú -- ainda que não tenha visto um dia de greve em toda a sua vida. [ E cá é necessário lembrar que 95% dos alunos dependem da educação pública, não possuem alternativa a ela.] Outro meio de lidar com a falta crônica de professores é formar turmas de 60, 70 alunos, o que inviabiliza qualquer práctica pedagógica séria e arruina ainda mais precocemente a saúde física e mental dos docentes.

Como sempre, a corda arrebenta do lado mais fraco, e as escolas fluminenses acabam por ser reprodutoras de analfabetos, portadores de diplomas cuja única uptilidade é engrossar números oficiais para inglês ver.

Nenhum comentário:

Postar um comentário